A poucos dias das eleições para o Parlamento Europeu, e talvez por isso mesmo, assistimos à divulgação de estudos de impacto em áreas relevantes para o agroalimentar e para a nossa atividade enquanto produtores de alimentos para animais. Um setor que, sendo o principal custo da atividade pecuária, é cada vez mais reconhecido pelos decisores europeus, quer no que se refere à disponibilidade de alimentos (food security), quer no que se prende com a higiene e segurança alimentar (food safety).

Jaime Piçarra – Secretário-Geral da IACA

Tudo isto deve ser objeto de profunda reflexão  quando, de acordo com a Distribuição Hoje, num relatório da EIT Food Trust, mais de 55% dos europeus não confia nos alimentos que consome, ou seja, apenas 45% dos consumidores (numa amostra de 19.642 inquiridos em 18 países) têm confiança nos alimentos que consomem. E apenas um terço (36%) não tem quaisquer dúvidas em afirmar que os alimentos são sustentáveis, com 44% a acreditar que são saudáveis.

Saberão eles que os produtos importados de países terceiros não cumprem exatamente as mesmas regras a que estão obrigados os operadores do espaço da União Europeia?  Conhecerão os inquiridos os normativos exigidos ao nível da segurança dos alimentos e que, em nossa opinião, são os mais exigentes e sem paralelo no mercado mundial?

Talvez tenhamos de fortalecer o slogan “Enjoy, It’s from Europe” no espaço europeu e de falar melhor aos consumidores sobre a “identidade” de cada produto.

Se não conhecem ou se desconfiam da credibilidade da implementação da legislação em vigor ao nível da higiene, ambiente, saúde e bem-estar animal, então a “culpa” é inteiramente nossa, o que demonstra o muito que ainda há a fazer (autoridades, operadores e as suas organizações representativas) ao nível da informação e da comunicação.

Existem, no entanto, boas notícias, desde logo a convicção de que os agricultores se preocupam com os consumidores e de que agem na base do “interesse público”.

Vem tudo isto a propósito de alguns estudos que têm sido difundidos no espaço público e que, infelizmente, não têm tido grande mediatismo: o primeiro, da responsabilidade da AVEC, a “voz dos avicultores” na União Europeia (em Portugal representados pela FEPASA), sobre o impacto das medidas do compromisso europeu para a produção de frangos de carne, se fossem aplicadas as normas de bem-estar animal; o segundo, um relatório da Comissão Europeia relativo ao que aqui temos referido como dossier estratégico – a proteína –  e que, segundo fontes da DG AGRI, não deixará de ser tido em conta na definição do futuro Plano Europeu para a Proteína.

No que respeita ao estudo da AVEC, as conclusões são evidentes, antecipam as nossas preocupações e, a ser aplicadas, seriam dramáticas para a fileira: aumento de custos (e preços) significativo, maior consumo de recursos (água, alimentos para animais, área disponível) e uma redução drástica da produção europeia.

No segundo, intitulado “Estratégias de Alimentação para Diversificar as Fontes de Proteína”, conclui-se também o que temos vindo a defender desde há muito: que necessitamos de uma abordagem holística e coerente, devemos considerar todos os tipos de proteína disponíveis, apostar na investigação e na inovação, e perceber (de uma vez por todas) que a redução da dependência da União Europeia em proteínas importadas exigirá uma perspetiva de longo prazo.

Estes relatórios são de importância fundamental para a tomada de decisões dos futuros decisores políticos, seja na Comissão Europeia e no Parlamento Europeu, seja nos parlamentos nacionais, sobretudo quando a Estratégia “Do Prado ao Prado” não foi revista (vai ser?) e a denominada “End of Cage Age” também não foi (ainda) abandonada.

Também por isso, quando a estratégia para o mandato para o período 2024-2029 é ainda muito difusa e não deixará de depender dos resultados das eleições do próximo domingo, pese embora algumas das prioridades já anunciadas, algumas organizações como a FEFAC ou a European Livestock Voice (ELV) têm-se desdobrado em manifestos ou recomendações, que, no caso da IACA, temos levado ao conhecimento dos diferentes partidos e dos cabeças de lista ao Parlamento Europeu, futuros codecisores em Bruxelas.

A FEFAC apresenta um conjunto de 12 recomendações, que têm como principal objetivo a economia circular, a redução da dependência da Europa em matérias-primas e aditivos, a diminuição das emissões de GEE, e a importância da alimentação animal para uma produção pecuária, incluindo a aquicultura, mais competitiva e sustentável na União Europeia.

A ELV – organização criada em 2019 a seguir às eleições para o Parlamento Europeu -tem procurado sensibilizar os europeus para a relevância da atividade pecuária, em condições particularmente difíceis e num ambiente relativamente hostil, como sabemos.  O seu manifesto, em cinco pontos, procura inverter esta tendência, mostrando que é tempo de a União Europeia reconhecer que a cadeia de valor da pecuária é muito mais do que agricultura. É também economia e ambiente, território, economia circular e sustentabilidade.

As perspetivas para a produção de alimentos compostos para animais da UE em 2024 apresentam um quadro misto, refletindo tendências diferentes entre setores pecuários e países,  influenciadas por fatores económicos, regulamentares e ambientais, numa conjuntura europeia global marcada por uma tendência de diminuição dos efetivos pecuários. A previsão de nova quebra na produção, ainda que ligeira (-0,3%), vem juntar-se à perda de mais de sete milhões de toneladas nos últimos dois anos, sendo notório que a avicultura é o único setor em alta. Mas é crucial recordar as ameaças das zoonoses, que afetam os suínos (PSA) ou os bovinos (DHE) e a generalidade das produções animais, condicionadas pelo impacto das alterações climáticas, pelo que é fundamental que este combate continue bem presente, tal como a sensibilização para a importância da biossegurança nas explorações agropecuárias.

No fundo, são dois os modelos que estão em confronto nas eleições de 9 de junho: o da cegueira ambientalista, de “rolo compressor”, e o da aposta numa abordagem equilibrada da sustentabilidade, considerando o bem-estar animal, a viabilidade económica, o território e o impacto ambiental.

Não há uma terceira via!

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA