A inflamação da glândula mamária (mastite), além de afetar a saúde animal, promove a redução da produção de leite, bem como a diminuição da sua qualidade.

O aumento da contagem de células somáticas no leite, que caracteriza a inflamação intramamária, compromete as características físicas e químicas do leite, afetando as suas propriedades de coagulação, o rendimento queijeiro e a qualidade do queijo, impedindo que os produtores cumpram os padrões de qualidade exigidos pelos consumidores, pela indústria e pelas organizações de saúde pública. Por outro lado, a utilização de leite proveniente de animais com mastite subclínica para a produção de queijo, levanta preocupações em termos de saúde pública, particularmente importantes no caso da produção de queijos com certificado de Denominação de Origem Protegida (DOP) e Indicação Geográfica Protegida (IGP) e queijos tradicionais/artesanais, ambos produzidos com leite cru.

A produção de leite, destinado à produção de queijos DOP/IGP e de queijos tradicionais/artesanais, exige o cumprimento escrupuloso de boas práticas de higiene na ordenha, que garantam a sua qualidade físico-química e microbiológica. Na região Centro, mais especificamente na Serra da Estrela, o controlo da qualidade do leite é feito pelas queijarias (industriais ou artesanais), sendo ainda apoiado por entidades, como a Associações Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela (ANCOSE) e a Cooperativa de Produtores de Queijo Serra da Estrela (EstrelaCoop), assim como por alguns projetos de instituições académicas parceiras, como é o caso da Escola Superior Agrária de Viseu (ESAV) do Instituto Politécnico de Viseu (IPV).

 

Neste sentido, o projeto BCheeSE – “Gestão integrada da organização de produção para garantia da rastreabilidade, autenticidade e valorização da fileira do queijo Serra da Estrela” (Ref. PRR-C05-i03-I-000168), coordenado pela ESAV-IPV, em colaboração com a ANCOSE, Churra Mondegueira (APROMEDA) e a EstrelaCoop promove um conjunto de ações para apoiar os criadores na sistematização de procedimentos de maneio e controlos técnicos. Estas intervenções, de forma integrada na fileira do queijo Serra da Estrela com DOP, pretendem capacitar e inovar na gestão sanitária dos rebanhos e minimizar as consequências negativas da utilização do leite na produção deste queijo e do requeijão.

Mastite em Pequenos Ruminantes

A mastite é uma doença importante em pequenos ruminantes, afetando significativamente a saúde e o bem-estar animal. A mastite clínica aguda, caracteriza-se, de um modo geral, por alterações na glândula mamária e no leite, por vezes associada a sinais clínicos sistémicos (depressão, febre, desidratação e perda de apetite). A glândula mamária pode apresentar-se vermelha/ escura, edemaciada (inflamada) e dolorosa. Esta patologia é frequentemente produzida por bactérias que ascendem à glândula mamária através do canal do teto, durante a amamentação ou ordenha (manual ou automática), podendo ainda ser induzida por trauma ou patologias preexistentes na ovelha em lactação. Embora a sua incidência seja baixa (5%), compromete significativamente a saúde do animal, que pode conduzir ao óbito.

A mastite subclínica, embora possa afetar uma proporção considerável do efetivo (15-30%), é mais difícil de diagnosticar, porque não produz alterações visíveis na glândula mamária nem no aspeto do leite, no entanto, conduz a perdas produtivas e compromete a qualidade do leite.

A mastite crónica resulta da evolução da mastite aguda ou subclínica e caracteriza-se por uma diminuição da produção de leite, geralmente associada ao aumento da consistência da glândula mamária, devido à substituição do tecido mamário por tecido fibroso. A palpação da glândula mamária pode revelar a presença de nódulos (abcessos encapsulados, quistos).

Algumas doenças infeciosas sistémicas podem afetar a saúde da glândula mamária, como é o caso de Mycoplasma agalactiae, vírus Maedi-Visna, vírus da artrite-enfecalite caprina (CAEV), Mycobacterium caprae, Brucella spp., Listeria monocytogenes, Leptospira interrogans e Chlamydophila psittaci, atingindo o úbere por via hematogénica. Numa exploração, os principais reservatórios da infeção são os animais com mastite subclínica e crónica e com infeção cutânea dos tetos. Staphylococcus coagulase negativos e Staphylococcus aureus são os principais agentes implicados nas mastites clínicas em pequenos ruminantes. O ambiente, sobretudo a cama dos animais, constitui, igualmente, uma fonte importante de infeção no caso das mastites por Enterobacteria e Enterococci e a água e os ambientes húmidos são fontes importantes de bactérias do género Pseudomonas.

Os animais com mastite aguda devem ser imediatamente separados do resto do efetivo, sendo que o “tratamento de eleição” pode e deve ser o refugo precoce.

O tratamento “clássico” das mastites subclínicas é, de um modo geral, realizado no final da lactação. No entanto, o tratamento pode ser antecipado, mediante a ponderação de fatores, tais como as quebras registadas na produção e o agente infecioso identificado nas análises microbiológicas do leite destes animais. O produtor deve considerar, em colaboração com o seu Médico Veterinário assistente, o custo-benefício de um tratamento no fim da época de lactação, correndo o risco de comprometer a saúde dos animais sãos. O refugo de animais com historial clínico de mastites subclínica deve ser realizado de forma sistemática.

No caso das mastites subclínicas, recomenda-se o tratamento seletivo das metades afetadas, através de aplicação intramamária de antibiótico, que pode ser realizada quando o canal do teto ainda está permeável. No entanto, uma das grandes questões prende-se com o facto de não estarem disponíveis formulações veterinárias licenciadas pela DGAV, específicas para pequenos ruminantes, o que obriga à utilização off-label dos fármacos disponíveis para bovinos, muitas vezes com o argumento de que são “espécies semelhantes”. Para além disso, existe o risco da persistência de resíduos de antibiótico no leite da lactação seguinte, sobretudo em caprinos, onde o período seco é, muitas vezes, menor. A aplicação de antibiótico injetável (muitas vezes também utilizado off-label) pode complementar o tratamento local ou constituir a única alternativa possível, nomeadamente quando o canal do teto já está selado por queratina ou em efetivos com um elevado número de animais afetados.

De facto, o tratamento das mastites em pequenos ruminantes levanta uma série de constrangimentos. Para além das perdas produtiva, somam-se os custos associados aos tratamentos médico-veterinários e o refugo precoce dos animais. É de salientar que o tratamento médico nem sempre conduz à completa resolução do quadro clínico, persistindo a possibilidade do animal permanecer como reservatório da infeção.

A prescrição médico-veterinária de antibióticos em pequenos ruminantes é um verdadeiro desafio, que deve fazer-se de forma responsável, contribuindo para a diminuição da emergência de bactérias resistentes aos antibióticos e cumprindo a legislação em vigor. Especificamente, a administração de antibióticos da categoria B, que inclui as quinolonas, cefalosporinas de 3ª e 4ª geração e polimixinas, deve ser restringida e realizada com base nos resultados de testes de suscetibilidade antimicrobiana.

O projeto RumiRes – “Vigilância epidemiológica e sensibilização para as resistências antimicrobianas e resíduos medicamentosos em pequenos ruminantes da região Centro” (Ref. PRR-C05-i03-I-000190), também coordenado pela ESAV – IPV, em colaboração com os Médicos Veterinários que se dedicam à clínica de pequenos ruminantes na região Centro, comparticipa a análise microbiológica de leites provenientes de animais com suspeita de mastite. O projeto pretende identificar os agentes bacterianos envolvidos nas mastites dos pequenos ruminantes e estudar o seu perfil de resistência antibacteriana, de forma a criar protocolos terapêuticos específicos, que auxiliem o Médico Veterinário na tomada da melhor decisão terapêutica.

Assim, de forma a reduzir a incidência de mastites nos rebanhos de aptidão leiteira, devem ser introduzidas boas práticas de maneio, que assegurem que os animais e os seus úberes permaneçam saudáveis. No entanto, o facto de não existirem incentivos financeiros que premeiem a qualidade do leite de pequenos ruminantes, tem atrasado a implementação das medidas de higiene nestas explorações.

Higiene da ordenha

As boas práticas de higiene durante a ordenha incluem, a higiene do ordenhador, que deve cumprir as regras mínimas de higiene pessoal, nomeadamente a lavagem das mãos antes da ordenha, a utilização de luvas de exame descartáveis e roupa limpa e apropriada, nomeadamente botas e avental de borracha.

A higiene do teto é de extrema importância para garantir a qualidade do leite e prevenir o desenvolvimento de mastite. É importante relembrar que a principal porta de entrada de microrganismos, nomeadamente de bactérias, na glândula mamária é o canal do teto. A higiene do teto depende, essencialmente, da limpeza da cama dos animais. A limpeza dos tetos que estejam visivelmente sujos deve realizar-se antes da ordenha e tem como objetivo remover a matéria orgânica. A desinfeção dos tetos pré-ordenha (pré-dipping) não é prática habitual em pequenos ruminantes, no entanto, é uma medida que pode facilmente ser implementada nas explorações. Consiste em mergulhar totalmente os tetos numa solução desinfetante apropriada e aprovada para o efeito (biocidas aprovados pela DGAV para utilização em animais), que deve atuar, pelo menos, durante 30 segundos. Antes da ordenha, os tetos devem ser limpos e secos para remover os resíduos de desinfetante. A desinfeção dos tetos após a ordenha (pós-dipping), embora também não seja prática habitual, pode constituir uma boa prática de maneio, na medida em que permite desinfetar e hidratar os tetos, selando o esfíncter do teto, que pode permanecer aberto até 2 horas após a ordenha.

No período após a ordenha, o canal do teto está particularmente suscetível à entrada de microrganismo, pelo que é importante que os animais sejam conduzidos para um local limpo e que permaneçam em estação, oferecendo alimento de elevada palatibilidade, de forma a minimizar a contaminação e posterior infeção do úbere(…).

→ Leia o artigo completo na Revista Voz do Campo: edição de maio 2024

Autoria: Rita Cruz, Alexandra Baptista, Fernando Esteves, Helder Quintas, Jorge Oliveira, Maria Aires

Pereira Equipa RumiRes ESAV-IPV