Portugal está envolvido em diversas vertentes da inovação florestal, com projetos multidisciplinares que cruzam áreas como a eletrónica, a mecânica, a computação, a silvicultura e a biotecnologia. Conheça alguns projetos que ilustram como a investigação nacional está a responder aos desafios da floresta e da sustentabilidade.

Quando pensamos em inovação florestal dificilmente imaginamos a amplitude de áreas, equipas e instituições focadas em dar resposta aos diversos desafios do sector e em encontrar soluções renováveis e de base natural que apoiam os desafios globais da sustentabilidade.

Um breve olhar pelos projetos de investigação e desenvolvimento (I&D) nacionais, ou com participação nacional, permite uma visão do trabalho que tem sido – e continua a ser – feito por dezenas de instituições e equipas que cruzam conhecimentos em áreas que vão muito além das temáticas diretamente relacionados com a floresta: eletrónica, mecânica, aeronáutica, computação, biotecnologia e geofísica, para referir apenas uma pequena parte.

Biomateriais e tecnologias emergentes são duas das vertentes visíveis em muitos dos projetos de I&D a acontecer em Portugal, dando novos passos em áreas prioritárias para a bioeconomia, a circularidade, a digitalização e a descarbonização. Destacam-se os biomateriais com origem na floresta que ajudam a reduzir a utilização de matérias-primas fósseis (poluentes e não renováveis), e as tecnologias dirigidas à floresta, onde se incluem novas soluções de prevenção e deteção precoce de incêndios, mas também inovações tecnológicas que apoiam as atividades de gestão no terreno.

Longe de fazer um levantamento exaustivo da inovação florestal, estes seis projetos ilustram a variedade de soluções, em estudo, desenvolvimento ou teste, que beneficiam do envolvimento de universidades, centros de investigação, laboratórios tecnológicos e empresas em Portugal.

Em 2024, as Nações Unidas dedicam o Dia Internacional da Floresta (21 de março) à “Floresta e inovação: novas soluções para um mundo melhor”. No vídeo com que assinalam esta data, destacam duas vertentes da inovação florestal: os biomateriais, apelando às poderosas soluções contidas na “química das árvores”, e as tecnologias que trazem estas e outras soluções para as nossas vidas.

1. Máquina autónoma para gestão de vegetação

O desenho do protótipo lembra uma versão futurista de um pequeno trator e diz respeito a uma máquina florestal que se move apenas a energia elétrica e de modo autónomo, guiada por um conjunto de sensores, que lhe permitem realizar diferentes trabalhos, incluindo a gestão da vegetação espontânea, evitando a acumulação de biomassa combustível.

A inovação ajudará a colmatar a falta de mão de obra necessária às operações no terreno, com um equipamento que reduz a emissão de carbono associada aos equipamentos tradicionais e que vem reforçar a mecanização e digitalização dos equipamentos destinados ao sector da floresta.

Esta é uma inovação florestal que se encontra em desenvolvimento pela ADAI – Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial da Universidade de Coimbra, no âmbito da Agenda transForm, que conta com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência e dos Fundos Next Generation EU. O transForm junta um total de 56 parceiros num consórcio liderado pela Altri Florestal e sob direção técnica do CoLab Forestwise.


2. Robotics 4 Farmers apoia gestão eficiente da vegetação

 

Outro equipamento inovador é o que está em desenvolvimento no âmbito do projeto Robotics 4 Farmers. Trata-se também de um veículo que pode deslocar-se de forma autónoma, com capacidade de mapear digitalmente a área de intervenção e de identificar espécies infestantes ali existentes para, através de um laser que concentra radiação solar e artificial, atrasar o seu crescimento.

A ideia é provocar nas infestantes um período de dormência, permitindo que a cultura em causa possa avançar nos seus estágios iniciais de desenvolvimento, sem essa competição. Uma vez passada essa fase, as infestantes voltarão ao seu crescimento para evitar a desertificação do solo, que aumenta quando diminui a área coberta por vegetação.

O veículo está pensado para intervenção em áreas agrícolas e agroflorestais.

O Robotics 4 Farmers está a ser desenvolvido por um consórcio de 11 parceiros, incluindo o Instituto Superior Técnico, o Centro de Competências na Luta Contra a Desertificação, o Município de Almeirim e a Associação de Olivicultores da Região de Elvas, para além de várias empresas que atuam na área da viticultura, olivicultura e amendoal. O projeto conta com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência e dos Fundos Next Generation EU.


3. Eye in the Sky: um balão de monitorização que se eleva à estratosfera

 

projeto Eye in Sky (em português, Olho no Céu) desenvolveu e aprimorou um balão de alta altitude não tripulado, pensado para detetar e monitorizar incêndios rurais em tempo real.

O balão em si é um equipamento simples e económico, mas é capaz de elevar-se aos 35 quilómetros de altitude (à estratosfera), bem acima dos meios aéreos que podem ser utilizados no combate a incêndios (não interferindo com eles). As imagens que capta são complementadas pelas fornecidas por um drone, que segue no balão e é lançado a alta altitude, e por um sistema de comunicações que permite transmitir a informação em tempo real às equipas no terreno, apoiando as decisões e operações de combate.

Eye in the Sky aproxima-se de um minisatélite no que concerne à altitude e abrangência da área observada, o que permite monitorizar grandes perímetros – ajudando a conhecer a área e direção do fogo. É lançado apenas quando é necessário e tem baixo custo. Além destas vantagens, é mais uma forma de assegurar a chegada da informação a quem gere e efetua as operações no terreno, funcionando como uma antena de repetição de sinal complementar a outras redes de comunicação.

Pensado como uma inovação florestal e rural para a monitorização de incêndios, a solução pode adaptar-se a outros tipos de monitorização do território, incluindo vigilância e segurança fronteiriça.

projeto Eye in the Sky, apresentado em dezembro de 2023, foi desenvolvido por um consórcio que envolveu o Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI) da Universidade de Coimbra, o Instituto de Engenharia Mecânica (idMEC) do Instituto Superior Técnico e o Instituto de Telecomunicações. O projeto foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia através do concurso “Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico no âmbito da Prevenção e Combate de Incêndios Florestais – 2018”.


4. Biomat: biocompósitos para sectores automóvel, da construção e acolchoados

O projeto europeu Biomat está focado em desenvolver alternativas de base biológica (a custos competitivos) para compósitos com nanomateriais e espumas reforçadas com nanomateriais – materiais alternativos às espumas plásticas convencionais de poliuretano, derivadas do petróleo.

Com estas inovações de base biológica, o projeto quer acelerar a aplicação destes materiais que têm ampla procura em diversas indústrias, como construção civil, automóvel e acolchoados. Estes foram os mercados-alvo em que o Biomat apostou, disponibilizando às empresas destas três áreas o acesso às suas linhas de produção piloto e a serviços complementares – que incluem desde a caracterização e nanossegurança dos materiais aos planos de negócio. O objetivo é que a indústria possa conhecer, testar e escalar a produção desta inovação de base florestal, colocando no mercado soluções mais eficientes e competitivas no contexto da bioeconomia e circularidade.

Entre as soluções em foco para os três sectores, estão:

  • Revestimentos impermeáveis para túneis rodoviários, espumas em spray para isolamento e painéis isolantes (chamados painéis sanduíche), com aplicação na construção de infraestruturas e edifícios. Entre os elementos que os diferenciam salientam-se um consumo de energia reduzido e um melhor desempenho térmico e mecânico, assim como propriedades e capacidades melhoradas, incluindo, entre outras, elevado isolamento térmico e acústico, retardamento de chamas, propriedades antifúngicas e antiapodrecimento.
  • Almofadas para assentos, encostos de cabeça e volantes abrem caminho a soluções automóveis mais seguras e sustentáveis, com desempenho mecânico melhorado: mais resistentes ao desgaste, aos raios UV e ao fogo, por exemplo, permitindo reduzir custos, consumo energético e emissões ao longo do ciclo de vida dos veículos.
  • “Espumas verdes” e livres de compostos orgânicos voláteis para o fabrico de colchões, sofás e estofos para cadeiras, cuja estrutura celular inovadora permite aumentar o desempenho e o conforto: maior densidade, durabilidade, flexibilidade, resistência à fadiga, estabilidade de forma, permeabilidade ao ar e suporte corporal são alguns dos benefícios identificados.

O Biomat é um projeto europeu que junta 26 parceiros de diferentes países e conta com financiamento do Programa Horizonte 2020. Portugal coordena o consórcio que o desenvolve, através do CENTI- Centro de Nanotecnologia e Materiais Técnicos, Funcionais e Inteligentes. Este instituto de inovação, desenvolvimento e tecnologia, privado e sem fins lucrativos, resulta, por sua vez, de uma parceria entre seis instituições portuguesas: as Universidades de Aveiro, Porto e Minho, o Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (CITEVE), o Centro Tecnológico das Indústrias do Couro (CTIC) e o Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel (CEIIA).


5. GELA: um rótulo em papel com energia para refrescar em poucos minutos

O GELA é um novo rótulo à base de fibras de celulose que permite encurtar significativamente o tempo de refrigeração que é habitualmente necessário para refrescar uma bebida no frigorífico.

Com o rótulo com tecnologia GELA é possível pôr uma cerveja a refrescar e bebê-la à temperatura certa apenas após 12 minutos. Sem ele, e porque o vidro tem baixa condutividade térmica, o período de refrigeração em condições semelhantes é 40% mais demorado.

A tecnologia GELA integrada neste rótulo demonstra a viabilidade de desenvolver soluções para rótulos, extensíveis a embalagens, com potencialidade de controlo térmico, o que engloba o arrefecimento a partir de temperaturas elevadas, ou a redução do tempo para congelamento de produtos.

A tecnologia GELA recorre a soluções passivas baseadas em estruturas baseadas em celulose, que são escaláveis e, por isso, competitivas em termos de custo de produção. O envolvimento de parceiros industriais na definição de casos de uso e potencial de industrialização permite que esta inovação de base florestal possa, no curto prazo, ser testada à escala piloto, abrindo a possibilidade de colocar no mercado uma solução inovadora e competitiva no contexto da bioeconomia e circularidade.

A tecnologia GELA e a sua demonstração em protótipos para rotulagem está a ser desenvolvida no âmbito da Agenda “From Fossil to Forest”, com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência e dos Fundos Next Generation EU. O consórcio envolvido no “From Fossil to Forest” é liderado pela The Navigator Company e inclui 27 instituições em diferentes áreas de trabalho. A área dos biossensores em papel conta com os seguintes parceiros: Laboratório Colaborativo AlmaScience (responsável pelo desenvolvimento de soluções para controlo de temperatura com aplicações em papel e pelo GELA), CENTI, Universidade da Beira Interior, Universidade Nova de Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Grupo Nabeiro, Jerónimo Martins e Super Bock Group.


6. Biocompósitos com celulose como alternativa aos plásticos 100% fósseis

O desenvolvimento de biocompósitos com incorporação de diferentes percentagens de matéria-prima florestal (celulose), aplicáveis a produtos hoje produzidos somente com plásticos, é um dos caminhos para reduzir a utilização de matérias-primas fósseis em materiais de embalagem.

É com este objetivo que têm vindo a ser desenvolvidos materiais biocompósitos que integram diferentes quantidades de celulose. Estes materiais têm vindo a ser testados na produção de peças por injeção, sendo os tubetes para uso em viveiros um exemplo de aplicação em teste.

Refira-se que estes tubetes, nome dado aos pequenos “vasos” onde crescem em viveiro os rebentos (partes das plantas) indispensáveis às ações de florestação e reflorestação, são, até agora, produzidos totalmente em plástico. Os biotubetes ou biovasos incorporando diferentes percentagens de celulose na sua matriz plástica (nesta fase 10, 20 e 30%) foram produzidos e estão a ser testados em ambiente real para aferir e demonstrar a sua viabilidade técnica comparativamente aos tubetes 100% de plástico de origem fóssil. O teste de alguns milhares de protótipos está já a decorrer nos maiores viveiros portugueses – os Viveiros Aliança.

Milhões destes tubetes são utilizados diariamente para a propagação de materiais florestais em viveiros e estufas, pelo que esta inovação florestal, ao reduzir ou substituir o plástico neles contido, tem impacte na diminuição da pegada do próprio sector florestal.

O desenvolvimento de biocompósitos celulósicos – com diferentes formulações, desde 100% verdes a híbridos – e a sua aplicação em soluções de embalagem é uma das seis áreas em que se estrutura a Agenda “From Fossil to Forest”, financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência e pelos Fundos Next Generation EU. As formulações para biocompósitos têm vindo a ser desenvolvidas por um grupo de oito entidades de entre as 27 que integram o PRR “From Fossil to Forest”: Instituto de Investigação da Floresta e Papel RAIZ – responsável pelo programa de I&D, as empresas Filkemp, GLN e The Navigator Company – que lidera a Agenda, assim como a Universidade de Aveiro, a Universidade da Beira Interior, o CENTI, o CITEVE – Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal o PIEP – Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros.