Agadir, em Marrocos, foi palco de mais uma edição da Morocco Berry Conference a meados de novembro. Na sua 5ª edição, a Conferência é organizada pela empresa portuguesa Hortitool Consulting e da consultora marroquina Green Smile. Em entrevista, Jorge Duarte, da Hortitool Consulting, descreve todos os detalhes que estiveram em foco nesta edição.

Qual é o principal objetivo da Morocco Berry Conference e o que a diferencia de outros eventos do setor?

O nosso principal objetivo é transferir e divulgar conhecimento de particularidades técnico e científicos de temas relevantes do setor para produtores de pequenos frutos em Marrocos e acaba por atrair produtores de outras zonas do mundo. O que o diferencia de outros eventos é focarmo-nos em todos os pequenos frutos, é a dinâmica da indústria em Marrocos, uma zona de produção em crescimento, que se tornou um player importante a nível do Norte de África e que existe uma grande atratividade em termos de investimento ao nível da produção de empresas multinacionais na produção.

Como surgiu a parceria entre a Green Smile e a Hortitool Consulting para a organização deste evento?

Surgiu em 2019 através da plataforma Linkedin, onde participei também como head hunter de palestrantes e de moderador da sessão técnica, e em 2020 fui convidado a estar mais envolvido na conceção dos temas e do programa, oficializando a coorganização, onde juntamos forças para aumentar a network e a capacidade local organizativa da Green Smile.

Quais foram os principais temas abordados este ano? Houve novidades específicas apresentadas?

Os principais temas deste ano foram, a criação de uma marca de fruta, a importância do mercado EMEA para a Europa, a abertura da exportação para o mercado de consumo chinês, a realidade das mudanças climáticas, onde se abordou os stresses abióticos, a necessidade de usar menos água sem perder potencial produtivo, a utilização de filmes técnicos para gerir excesso de radiação e temperatura, a importância da gestão de dados ao nível das unidades de produção, as tomadas de decisão baseadas em dados e o seu impacto no rendimento dos agricultores, bem como a oportunidade das janelas de produção na produção de morango e framboesa, a importância e o relevo da gestão de PI ( propriedade intelectual) em programas de melhoramento e a realidade/necessidade de mecanização da cultura de mirtilo que avança em conjunto com a melhoria genética de variedades.

Foi também orador, onde abordou o stress abiótico durante as fases generativas das culturas dos pequenos frutos. Qual a razão do tema?

Este tema vem muito daquilo que tenho experienciado acompanhando agricultores em vários países, e por ser uma realidade diária em países como Marrocos, e em geral, os países do mediterrâneo. Eventos climáticos como, ondas de calor, chuvas torrenciais, falta de frio, falta de água e salinidade são temas que quer técnicos, agricultores, cientistas e empresas da indústria, nos debatemos para encontrar soluções para as mitigar ou aliviar de forma a impactar o menor possível a qualidade das produções. Particularmente em Marrocos, existem muitas ondas de calor, chegando a temperaturas acima de 40ºC que influenciam de forma negativa as entradas das plantas em floração, criando impacto na quantidade e qualidade de frutos e no início da entrada de produção.

Como os tópicos de sustentabilidade, tecnologia e melhoramento genético serão explorados no contexto dos pequenos frutos?

Serão explorados em 2 aspetos principais: a sustentabilidade das produções e da cadeia de valor associada e a adaptabilidade e sustentabilidade ambiental. Por um lado, o melhoramento genético pode trazer o que o mercado quer, mas também terá de trazer a adaptabilidade e a resiliência a ambientes de produção que se tornaram mais extremos. Por outro lado, e atendendo ao cenário de alterações climáticas temos de projetar, com auxílio de modelos climáticos e trazê-los para a agricultura de forma a antecipar o tipo de riscos que vamos enfrentar e de que forma o podemos fazer, através da introdução de tecnologias de produção.

Pode destacar os momentos altos da Morocco Berry Conference 2024?

As sessões que tiveram mais participação, foram as que abordaram a abertura do mercado de consumo para mirtilo na China e a sessão técnica em geral onde se abordou o stress abiótico, a gestão de água e a utilização de filmes e têxteis de proteção das culturas. A sessão sobre os avanços da mecanização da colheita em genética nova também foi um momento alto da Conferência. Este ano, a novidade foi a mesa-redonda onde se juntaram, técnicos e agricultores locais, juntamente com os palestrantes para criar uma dinâmica mais ativa de participação dos nossos visitantes.

Com um grupo tão diversificado de oradores, como foi feita a seleção para garantir representatividade e relevância?

Há trabalho de pesquisa e desenhar um programa que seja relevante, que se inicia um ano antes, onde vamos usando a retroalimentação do feedback de participantes e ilustres da indústria. A nossa base de estrutura é trazer caras novas sempre todos os anos, pessoas que são excelentes na sua área de trabalho, mas que de alguma forma não são tão conhecidas, de forma a potenciar novidade e surpresa para a audiência. Além disso, acabamos por dar a conhecer a estes oradores a oportunidade que pode ser Marrocos para o mundo dos pequenos frutos, pois para alguns acabam por ser a primeira vez que visitam o país.

De que forma o evento reflete as tendências globais da indústria dos pequenos frutos, considerando a participação de países como a China, Austrália e Chile?

Logo à partida, as alterações climáticas, o impacto do El Nino na América do Sul e a necessidade de mecanização em cultivos como o mirtilo em países onde a mão de obra escasseia, que será futuramente o caso de Marrocos, que acaba por ser o porta-estandarte do setor marroquino. Quanto à participação da China, tem tudo a ver com a abertura deste mercado para players marroquinos, dar-lhes a conhecer a oportunidade que tem Marrocos na exportação no off-season, tal como faz o Chile e o Peru. Quanto a mim, é o único país que terá capacidade de se adaptar a entrar rapidamente neste mercado emergente.

Qual o papel que Marrocos desempenha na produção de pequenos frutos e como a Conferência pode ajudar a fortalecer a posição do país neste setor?

Neste momento Marrocos é um dos principais países produtores de pequenos frutos para a Europa e do qual depende bastante, visto pela quantidade de empresas europeias que operam neste país. A Conferência surge como elemento aglutinador da dinâmica já existente do país e acaba por ser a bandeira da sua energia e ambição. Marrocos quer ser líder nesta fileira e já o comprovou estando nos top 10 dos países do mundo com mais quilos exportados de mirtilo, ocupando a 8 posição na campanha anterior. É o principal país produtor de framboesa à frente de Portugal e Espanha e tem um papel importante de volume nos morangos para a Europa, especialmente de novembro a março, com produções precoces.

As expetativas da Morocco Berry Conference 2024 foram superadas?

Temos crescido todos os anos em nacionalidades que nos visitam e em empresas que nos apoiam e isso reflete a importância que a Conferência traz para o setor. Esperamos que possa ser um evento de referência nos países EMEA, mas temos o sonho de poder trazer mais público e ser uma referência a nível mundial. Vamos criar outras dinâmicas com algumas novidades que vamos querer introduzir brevemente. Temos de nos adaptar às exigências da nossa audiência em Marrocos, e por isso vamos tentar corresponder com melhores conteúdos e mais condições para o networking.

Como espera que a Conferência contribua para a inovação e sustentabilidade na produção de pequenos frutos a nível global?

A Conferência tem feito a ponte entre várias empresas que julgamos ser importante na introdução de tecnologia e sustentabilidade. Ao fazer esta ponte fazemos essa transferência e ligações aos parceiros, aos utilizadores destas tecnologias que são as empresas produtoras.

Há planos para expandir ou evoluir o formato do evento em futuras edições?

Temos sido desafiados a levar o modelo a outros países, mas acho que é ainda prematuro. Para isso, teremos de ter outra estratégia e ter partners corporativos que permitam essa alavancagem. Acho que o evento vai evoluir para construir mais conexões B2B e aproximar o público com workshops. Além disso, nascem muitas vezes formações ao longo do ano no seguimento das necessidades observadas na Conferência, algo que a Siham Zahidi (da Green Smile) e eu estamos constantemente a fazer em parceria.


“O maior desafio que está a afetar a indústria de pequenos frutos são as alterações climáticas e a falta de água”

“Este ano tivemos mais empresas presentes e mais de 20% de participantes relativamente ao ano passado. Houve mais inovação nos temas apresentados e estamos contentes por receber 25 delegações de diferentes países. O maior desafio que está a afetar a indústria de pequenos frutos hoje são as alterações climáticas e a falta de água, especialmente aqui na região. Temos um grande problema de água visto que não chove há mais de seis anos. Durante a Conferência, abordámos o assunto de como minimizar a água na cultura do mirtilo e como atingir o ponto com menos água. Foi também abordado o tema do stress abiótico e como o enfrentar, por forma a manter a produção em alta”.

China produz 4 milhões de toneladas de morango e meio milhão de toneladas de mirtilo

“A China representa um elevado número de produtores de pequenos frutos. Estamos a produzir 4 milhões de toneladas de morango e meio milhão de toneladas de mirtilos (…). Para os produtores de Marrocos existe uma oportunidade para exportar no futuro, quando houver um protocolo (…) mas, para poderem exportar têm de perceber que cada mercado é diferente. A China é diferente, os EUA e até mesmo a Europa. Os consumidores chineses gostam de qualidade diferente na comida (…). A distribuição chinesa tem os seus pontos únicos. O e-commerce é algo que dou sempre muito ênfase. 30% dos mirtilos em fresco são movidos através do e-commerce, o que é muito importante na China para os mirtilos frescos. Temos uma região que se chama província de Anhui que produz no seu redor e sobrepondo com a temporada de Marrocos de novembro a junho (…) é muito importante entender o que se passa nesta região e em que mercados eles estão a exportar. No geral, a China é um grande mercado, com os consumos a subir, existem oportunidades. Os nossos consumidores querem pagar por comida premium (…)”.

A Revista Voz do Campo foi media partner oficial do evento e viajou a convite da organização.

→ Leia a reportagem completa na Revista Voz do Campo – edição de dezembro 2024, disponível no formato impresso e digital.

(Re)veja alguns momentos: