Durante as Jornadas da FENAREG, a mesa-redonda intitulada “Água que Une uma Região” reuniu representantes das Câmaras Municipais do Fundão, Covilhã, Penamacor, Sabugal e Belmonte. Moderada por António Campeã da Mota, ex-Diretor de Serviços de Regadio da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), a sessão destacou a centralidade da água para a agricultura, abastecimento público e desenvolvimento regional.

O moderador iniciou a discussão sublinhando a relevância da nova legislação que permite às autarquias identificar, construir e até gerir sistemas de regadio, marcando uma transformação significativa no paradigma tradicional dos aproveitamentos hidroagrícolas. “Esta mudança coloca as Câmaras Municipais como parceiros fundamentais na gestão da água, abrindo espaço para um papel mais ativo na política hídrica e na valorização dos recursos regionais”, sublinhou António Campeã da Mota, à nossa reportagem.

Paulo Fernandes, presidente da Câmara Municipal do Fundão, reforçou a importância do armazenamento de água no contexto das alterações climáticas, lembrando que a região da Serra da Gardunha, historicamente considerada uma fronteira natural entre paisagens atlânticas e mediterrânicas, enfrenta hoje a predominância do clima mediterrânico. Este cenário, segundo o edil, exige uma gestão hídrica otimizada e de contínuo planeamento. Paulo Fernandes, exaltou a importância do regadio da Cova da Beira, descrevendo-o como uma obra de engenharia notável, destacando a capacidade do sistema de conduzir água por gravidade ao longo de dezenas de quilómetros, mesmo em terrenos com declive limitado. Esse feito, alcançado antes da era das tecnologias digitais avançadas, é um marco de excelência técnica liderado por engenheiros portugueses, entre os quais António Campeã da Mota. “O regadio da Cova da Beira é mais do que uma infraestrutura hídrica (…) é um testemunho da nossa capacidade de inovar e superar desafios topográficos complexos”, afirma Paulo Fernandes.

Paulo Fernandes sublinha ainda a localização estratégica da região, onde se encontram três grandes bacias hidrográficas: Tejo, Douro e Mondego. Esses rios, que possuem afluentes próximos, reforçam a importância da região para a segurança hídrica e a soberania nacional. “A nossa segurança hídrica depende de uma gestão estratégica e contínua, olhando sempre para o futuro. A região da Cova da Beira tem um papel-chave na soberania dos nossos recursos, e isso exige otimização permanente e planeamento intergeracional”, observa.

Para além disso, o edil fundanense também evidenciou a conclusão do último setor do regadio da Cova da Beira como um marco importante, mas alertou para as necessidades futuras e a importância de continuar a investir em estudos e projetos para expandir o aproveitamento hídrico, particularmente ao sul da Gardunha e nas interligações entre barragens, como a do Sabugal e as captações na Serra da Malcata. “Planear para os próximos 5, 10 ou 15 anos é essencial. Falar de segurança hídrica significa estar em constante adaptação e antecipação às necessidades futuras, garantindo que os nossos recursos sejam usados de forma eficiente e sustentável”, sustenta Paulo Fernandes.

Já António Luís Soares, presidente da Câmara Municipal de Penamacor, na sua intervenção aos presentes frisou a importância estratégica do regadio da Cova da Beira, especialmente no que diz respeito à renovação do bloco de rega da Meimoa. Este bloco, que tem origem na Albufeira da Meimoa e abrange a zona norte do concelho de Penamacor. “Atualmente, estamos a concluir os projetos necessários para a renovação completa do bloco da Meimoa (…) a renovação das infraestruturas, a renovação do primeiro troço do canal condutor e obviamente toda a automatização de rega. A Associação de Beneficiários da Cova da Beira prevê a finalização desses projetos até o primeiro semestre do próximo ano, para que possamos depois alavancar uma candidatura para financiar estas obras de grande escala”, explica.

Reconhecendo o alto custo das intervenções necessárias, António Soares afirma que este investimento é essencial para assegurar que o regadio continue a desempenhar um papel central no desenvolvimento agrícola e económico da região. Além de garantir a eficiência do sistema, a modernização visa atrair novos investimentos para o território.

“Estamos a falar de um investimento elevado, mas que é absolutamente fundamental. (…) Precisamos de garantir que este bloco tenha as condições necessárias para que se projete todo o regadio para as próximas décadas”, conclui.

No uso da palavra, Armando Reis, vice-presidente da Câmara Municipal da Covilhã, sublinhou a necessidade de expandir o regadio da Cova da Beira para a margem direita do Rio Zêzere, de forma a contemplar os agricultores que atualmente não têm acesso ao sistema. Além disso, enfatizou a urgência da construção de uma nova barragem em Cortes do Meio, que funcionaria como uma reserva essencial para o armazenamento e distribuição de água em múltiplas finalidades. Outra prioridade destacada por Armando Reis foi a elevação do paredão da Barragem do Lago Viriato, que abastece a Covilhã. Esta medida visa aumentar a capacidade de armazenamento de água, garantindo segurança hídrica para a região.

O autarca reforçou a relevância do apoio aos agricultores e à produção agrícola de excelência na região, “que é conhecida pela qualidade de produtos como cerejas, pêssegos, maçãs, milho e batatas, bem como a importância de garantir que esses produtos cheguem frescos aos consumidores, o que exige a reativação do aeródromo da Cova da Beira e melhorias na acessibilidade à zona litoral através da construção do IC6. Este projeto deverá incluir um túnel entre Unhais e Alvoco, reduzindo significativamente a distância até à costa”.

A questão da valorização do uso múltiplo da água, foi outro ponto vincado por Armando Reis. “Não nos podemos esquecer que o regadio da Cova da Beira já gera cerca de 4 milhões de euros em receitas de energia e temos que no âmbito do uso múltiplo da água ter energias alternativas, nomeadamente, a produção de energia de modo que as comunidades energéticas e os municípios possam reduzir a fatura dos consumidores ao mesmo tempo”, defende.

O representante da Câmara Municipal de Belmonte, Luís Almeida também aproveitou o momento para realçar a importância histórica do regadio da Cova da Beira para a região. Para Luís Almeida, essa obra foi “a mais importante para a nossa região” e teve um papel determinante na resolução de um problema grave que o concelho enfrentava há alguns anos: o abastecimento de água às populações. Luís Almeida explicou que o concelho de Belmonte, apesar de ter apenas 6.300 habitantes e uma área de 118 km², vivia com um grande desafio relacionado ao abastecimento de água.

“O regadio veio efetivamente contribuir para que essa problemática fosse resolvida”, diz. Além disso, ao melhorar o fornecimento de água, o regadio proporcionou condições para que os agricultores locais pudessem investir nas suas culturas, o que permitiu que “realmente, os nossos agricultores tivessem condições para ter as suas culturas e fazerem a sua vida por ali”, argumenta, lamentando ao mesmo tempo: “pena tenho que tenha vindo já com tanto tempo de atraso (…) muitos grandes agricultores da região faleceram antes de verem os benefícios do regadio e, infelizmente, as famílias não deram continuidade à agricultura, abandonando porque não havia condições para isso”.

Luís Almeida também abordou a questão da abrangência do regadio da Cova da Beira. O bloco regadio Belmonte/Caria abrange não só as freguesias do concelho de Belmonte, como também as do Sabugal e da Covilhã. “É uma área bastante alargada e que efetivamente tem beneficiado todos estes potenciais investidores que querem-se fixar na nossa região”, afirma. No entanto, ele fez um apelo específico pela expansão do regadio até à freguesia de Maçaínhas, a única no concelho que ainda não é coberta. “No concelho de Belmonte a única zona que não tem regadio é efetivamente Maçaínhas”, aponta.

Durante a sua intervenção, Luís Almeida também fez referência à relevância do Rio Zêzere, que atravessa todo o concelho de Belmonte, para o desenvolvimento da região. “Todos nós sabemos que a água é fundamental”, afirma, destacando que o rio, com 240 km de extensão até ao Tejo, é um recurso vital, não só para o abastecimento das populações, mas também para a irrigação das terras agrícolas. Aproveitar esse recurso natural é uma prioridade para o município, que criou o Ecomuseu do Zêzere para dar a conhecer a sua importância, desde o nascimento até à foz. “Seria muito importante realmente aproveitar este recurso que é fundamental para que as populações se fixem e para que haja gente também a dedicar-se à agricultura”, conclui.

Vítor Proença, presidente da Câmara Municipal do Sabugal, expressou preocupações e propostas claras relacionadas à gestão da Albufeira do Sabugal, uma infraestrutura essencial para o abastecimento hídrico da região da Cova da Beira.

O autarca destacou a necessidade urgente de medidas que garantam a sustentabilidade e eficiência no uso dos recursos hídricos, alertando para os riscos de uma gestão inadequada. Segundo Vítor Proença, cerca de 50% dos 12.500 hectares de regadio disponíveis na região ainda não estão a ser regados, o que levanta debates sobre a possibilidade de alargamento do regadio para outros territórios. No entanto, o edil do Sabugal aponta que a Albufeira do Sabugal já opera em condições de stress, facto evidenciado em 2019, quando o nível da barragem chegou a preocupantes 34%. “Isto é assustador para quem viu aquela Albufeira. Pôs em causa a qualidade da água, a biodiversidade e até o combate a incêndios, sendo a única albufeira da região com capacidade para abastecer meios pesados”, afirma.

Vítor Proença considera que é necessário estipular uma quota mínima na Albufeira para evitar situações críticas e garantir a segurança dos diversos usos da barragem, desde o abastecimento público até a sua utilização para fins turísticos.

A Câmara do Sabugal encomendou um estudo detalhado que traz propostas para enfrentar os desafios atuais.

“Este estudo, que convido todos a ler, alerta para questões fundamentais e propõe medidas que precisam ser encaradas com realidade, frontalidade e rapidez. Caso contrário, ciclos como o de 2019 voltarão a acontecer”, alerta. Entre as recomendações, está a revisão do atual modelo de gestão da Barragem, sugerindo um modelo mais robusto, semelhante ao da EDIA. Vítor Proença também defende maior envolvimento dos municípios na gestão e melhor acesso a dados pela Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), uma questão que considera extremamente difícil no momento. O presidente destaca os esforços recentes da Associação de Beneficiários da Cova da Beira, que têm mostrado avanços na gestão da água, e ressalta a importância de alterar mentalidades em relação ao desperdício e à fiscalização. “Houve uma melhoria muito significativa na gestão da água, e isso é visível. No entanto, precisamos continuar a investir na eficiência, evitando desperdícios”, comenta Vítor Proença, mencionando ao mesmo tempo a necessidade de explorar o potencial turístico da Albufeira, já que passou a ser de fins múltiplos, e atualmente limitado pela falta de garantias sobre a quota mínima da Barragem.

→ Leia este e outros artigos completos na reportagem das XV Jornadas da FENAREG na Revista Voz do Campo  edição de janeiro 2025, disponível no formato impresso e digital.

(Re)Veja aqui alguns momentos do encontro ↓