Iniciou o seu percurso na Bosch Germany. Passou, entretanto, por diversas empresas e projetos pelos vários cantos do mundo. Em 2015 viria a deixar a liderança do Grupo Bosch para se tornar administrador da The Navigator Company, empresa que se dedica ao fabrico de papel e que é “uma das mais completas e complexas empresas em Portugal”. João Paulo Oliveira, fala-nos do mercado de trabalho e deixa conselhos aos mais novos.João Paulo Oliveira refere, nesta entrevista, a importância da digitalização das empresas e explica que as novas gerações “são mais exigentes em relação às condições de trabalho”, motivo pelo qual, hoje, as empresas se esforçam mais para fixar talento. O administrador da The Navigator Company explica o que mudou nas últimas décadas, a relação da academia com o tecido empresarial e o que é que as empresas procuram naqueles que entram agora no mercado de trabalho.

Quais entende que foram as principais mudanças no mercado de trabalho, desde que iniciou o seu percurso? Os desafios de hoje são muito diferentes?

O mercado de trabalho hoje é estruturalmente diferente do que foi há três décadas. As mudanças a que assistimos são radicais. Deu-se a liberalização económica e a globalização e surgiram as grandes corporações multinacionais. A escalada da mobilidade internacional de pessoas para trabalhar e viver noutros países e o aumento da competitividade internacional obrigam agora as empresas a ser mais inovadoras e mais atentas às tendências e desafios sociais, políticos, ambientais e tecnológicos.

A revolução tecnológica contribuiu para o declínio e desaparecimento de muitas profissões e para o surgimento de profissões emergentes imprevistas. A inteligência artificial, a robótica e a automatização são trunfos que as empresas mais adaptadas têm vindo a usar num esforço de adaptação e sobrevivência.

Nos novos perfis profissionais sobressaem talentos e competências ajustadas a um mundo cada vez mais digitalizado, mais tecnológico, mais globalizado, mais diverso social e culturalmente. Criatividade, capacidade de inovar, sentido crítico, facilidade de comunicação e cooperação ou adaptabilidade estão entre as qualidades mais valorizadas para fazer face aos desafios da atualidade. A busca de talentos fomentou a oferta de emprego a nível internacional e estratégias de fixação dos melhores profissionais que passam por opções como trabalho flexível, programas de aprendizagem e formação em serviço, melhores oportunidades de carreira e benefícios diversos atribuídos em função do mérito.

Entretanto, as empresas deixaram de ser vistas como simples produtoras de serviços ou produtos. A sociedade espera e exige que funcionem com dever ético e responsabilidade social e que o impacto social e ambiental negativo seja monitorizado e resolvido com ações corretivas. Trata-se de uma mudança de mentalidade importante, que em grande parte se relaciona com o maior acesso a informação através dos novos media e das redes sociais.

É importante, por isso, termos em conta que as competências digitais fazem parte do leque de competências fundamentais para qualquer cidadão hoje em dia e são imprescindíveis no mundo do trabalho.

Como qualifica a formação que é dada aos estudantes atualmente? 

Considero que a formação universitária de hoje é de nível mais elevado, mais adaptada às necessidades das empresas e da sociedade em geral, o que faz com que os jovens atualmente diplomados pelas universidades portuguesas sejam reconhecidos internacionalmente pela qualidade do seu trabalho e também pela sua atitude construtiva e flexível. No entanto, o processo de Bolonha e o sistema de créditos para atingir o grau se, por um lado comportou alguma flexibilidade no sistema e maior ajustamento ao sistema de ensino universitário na Europa, também poderá ter algum efeito contrário, nomeadamente por permitir a obtenção de títulos académicos em determinadas áreas, com menor grau de conhecimento e especialização.

Que contributo podem, ou devem dar as universidades num setor como o da Navigator? 

Do ponto de vista tecnológico, a Navigator será porventura a empresa mais completa e complexa que existe em Portugal. É uma empresa que opera e consegue competir à escala global, com todos os seus produtos produzidos a partir de Portugal e vendidos em mais de 130 países. Tem uma operação florestal muito importante, não só dedicada à produção da sua matéria prima mais importante, o eucalipto, mas também porque desenvolve e planta inúmeras outras espécies de árvores, seguindo os mais exigentes padrões de certificação internacionais. A sua atividade industrial é caracterizada por instalações de elevada dimensão, com processos industriais químicos e mecânicos muito rigorosos e altamente tecnológicos, onde o nível de controlo e automação requerem competências múltiplas e variadas.

A presença comercial global representa um enorme desafio, não só do ponto de vista comercial, como também do ponto de vista logístico. Anualmente, a Navigator contrata dezenas de jovens de várias especialidades, formados pelas universidades portuguesas, e alguns com doutoramento, pelo que o principal contributo das universidades passa pela continuidade da formação de qualidade, pelo esforço contínuo de adaptação da sua oferta formativa às necessidades do mercado, pela capacidade de ajustar os currículos às constantes mudanças socioprofissionais e pela preparação destes jovens para assumirem responsabilidades nas empresas com qualidade, sentido crítico e boa capacidade adaptativa.

E que contributo podem dar as empresas às universidades?

São vários os contributos que as empresas podem dar às universidades, desde logo ao participarem na concretização prática dos currículos, proporcionando estágios e trabalhos práticos aos alunos durante o curso. As empresas podem proporcionar oportunidades de emprego aos docentes universitários, mesmo que por períodos de tempo definidos, por exemplo um ano, gerando parcerias empresa/universidade importantes, tratando-se aqui de um percurso a que as universidades já aderiram há vários anos, ao integrar no seu Corpo Docente, pessoas oriundas das empresas. A colaboração dos especialistas e profissionais do terreno é fundamental para a preparação sólida e realistas dos futuros diplomados. Por seu turno, as empresas também devem procurar integrar as universidades nos seus processos de desenvolvimento, procurando absorver o conhecimento das universidades e contribuir para a transferência tecnológica, fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

Que competências pessoais e profissionais foram fundamentais para chegar a administrador da Navigator? 

A responsabilidade de fazer parte da Administração de uma empresa como a Navigator, exige um percurso profissional diversificado, preferencialmente com experiência relevante nas áreas fundamentais para a empresa, conhecimento técnico relevante nas áreas de responsabilidade e capacidade/orientação para liderança de equipas. Quando cheguei à Navigator, tinha um percurso profissional de muitos anos numa empresa multinacional alemã, na qual tive contacto com vários setores e negócios e oportunidade de conhecer diferentes contextos internacionais, nomeadamente na Alemanha, China, França e Chile, além de ter liderado equipas em diferentes áreas operacionais. Na época não tinha experiência nem conhecimento neste setor e a mudança de indústria foi um desafio exigente, mas muito aliciante, uma vez que iniciei o meu percurso na empresa com o pelouro de responsabilidade industrial e I&D, tendo ao final de cinco anos assumido a responsabilidade comercial e logística.

Se tivesse que indicar três conselhos/dicas aos estudantes que se preparam para entrar no mercado de trabalho, quais seriam?

Poderia apontar estas recomendações:

  • Definir e orientar a sua seleção de empresas/instituições para aquelas que garantam, não só um adequado desenvolvimento pessoal, como boas perspetivas de desenvolvimento profissional;

  • Construir um plano de desenvolvimento pessoal no qual a ambição e os objetivos pessoais estejam bem claros;

  • Manter a ligação e envolvimento com a(s) Universidade(s), quer numa perspetiva de formação contínua quer de colaboração e envolvimento com as iniciativas académicas.