“As actividades da agricultura, da produção animal, da floresta, da caça, da pesca, bem como as actividades dos serviços que estão directamente relacionadas com a agricultura familiar são determinantes em grande parte do território nacional. … assumem, assim, relevância na produção, no emprego, na biodiversidade e na preservação do ambiente através, nomeadamente, do incentivo à produção e ao consumo locais (…) garantindo também uma presença em muitas áreas do interior¸ o que torna imperiosa a promoção de políticas que reconheçam e potenciem essa contribuição da agricultura familiar.”

(Justificação de motivos do decreto-lei que consagra o Estatuto da Agricultura Familiar)

Completam-se hoje cinco anos sobre a publicação do Decreto-lei nº 64/2018, de 7 de Agosto, que dá forma jurídica ao compromisso do 1º Ministro com a CNA, a partir da proposta de Estatuto da Agricultura Familiar (EAF), aprovada no 7º Congresso da CNA, em 2014.

A publicação deste decreto-lei trouxe esperança a milhares de famílias que trabalham a terra para alimentar as populações e, com o seu trabalho, contribuem decisivamente para o combate à desertificação humana de vastas regiões, mantêm a biodiversidade, são motor do desenvolvimento económico regional e alimentam as populações com os nossos bons produtos.

Tal como a CNA desde logo alertou, as condições para ser titular do EAF eram e continuam a ser desadequadas. Em vez de inclusivas, excluem a generalidade das explorações da Agricultura Familiar (AF), num país em que segundo o Recenseamento Agrícola 2019 (RA 2019), mais de 90% das explorações se enquadram nesta categoria e o Governo reconhecia no DL que “… cerca de 30% das explorações agrícolas … não recebem pagamentos directos ou outros prémios anuais da PAC …”, melhor dizendo, as mais pequenas são excluídas.

Para além das restrições ao acesso ao EAF, até hoje, as medidas de apoio são escassas, pontuais e praticamente só no âmbito de Ministério da Agricultura e Alimentação (MAA), quando, pelo DL, deviam ser de 10 ministérios. Conhecendo o impasse na implementação do EAF, a actual Ministra da Agricultura nunca convocou a Comissão Nacional da Agricultura Familiar (criada por aquele DL), apesar da insistência da CNA.

Segundo o RA 2019 (actualização de 31 Março 2021), há 269.518 explorações enquadradas no conceito de Agricultura Familiar, também adoptado pela ONU que, entretanto, devido ao seu peso determinante na alimentação mundial lançou a Década da Agricultura Familiar 2019-2028, exortando os países a adoptarem políticas públicas de apoio à AF, pelo seu contributo ímpar no cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.

Das perto de 270 mil explorações potencialmente com direito ao EAF, segundo dados da DGADR, em 30 Junho de 2023, havia 1.148 títulos activos, num total de 2.907 atribuídos, tendo expirado 1.759 e isto por dois motivos essenciais: as condições de acesso exclusivas e a falta de medidas atractivas por parte do MAA, mas também dos outros, particularmente o das Finanças, o do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o da Coesão Territorial e o da Economia e Mar o que levará muitos a pensar: EAF, para quê?

Mas uma coisa é certa, a AF adere, como se verifica nos picos de adesão, quando há medidas concretas como o apoio à renovação de máquinas.

Num quadro global de aumento da fome no mundo (relatório recente da ONU aponta para que 735 milhões de pessoas passam fome, mais 122 milhões que em 2019 e que quase metade da população mundial não consegue pagar uma alimentação saudável)  de brutal especulação no preço do que precisamos para produzir, do domínio do mercado pelo poder insaciável do agronegócio internacional, das afrontas ao direito a produzir, do garrote da PAC aos pequenos e médios agricultores, é necessário manter erguida a bandeira da luta  pelo cumprimento do Estatuto da Agricultura Familiar.

A Agricultura Familiar precisa dum EAF dinâmico e adequado aos seus anseios e as populações precisam da Agricultura Familiar!

Por isso a CNA, no seu 9º Congresso, em Novembro passado, aprovou a Moção “Direitos dos Camponeses e Soberania Alimentar, com o Estatuto da Agricultura Familiar” que reclamava e que, mantendo-se actual, apresenta as principais reclamações da Lavoura:

  1. Participação da CNA na definição do que à Agricultura Familiar respeita;
  2. Redefinição dos critérios de atribuição do Estatuto;
  3. Reactivação da Comissão Nacional da Agricultura Familiar;
  4. Dotação do Orçamento do Estado para a criação de um Plano Integrado de Promoção e Valorização da Agricultura Familiar abrangendo os diversos Ministérios, com medidas específicas e priorizadas sobre:

a. O direito à terra e ao escoamento das produções a preços compensadores;

b. Incentivo ao investimento adequado, nas explorações da Agricultura Familiar e actividades de transformação e comercialização dos seus produtos;

c. Promoção de uma alimentação de qualidade e proximidade produzidas pela Agricultura Familiar;

d. Promoção do abastecimento das cantinas das instituições públicas, com um objectivo inicial de 30% das necessidades;

e. Criação de um regime fiscal e de segurança social adequados aos rendimentos da Agricultura Familiar.

A CNA, pioneira na luta pela criação do Estatuto da Agricultura Familiar, sempre aberta ao diálogo para a definição e implementação de medidas de política que valorizem os que produzem para alimentar as populações, juntamente com as Associações suas filiadas, em unidade com outras estruturas que connosco partilham este objectivo, mantém erguida a bandeira da luta pelos direitos da Agricultura Familiar.