Conheço bem os riscos de escrever todas as semanas estas Notas: repetição, cansaço dos leitores, falta de temas “motivadores”. Se amplificadas para fora do espaço da Newsletter da IACA, o que felizmente acontece, então os riscos aumentam, com as críticas e mensagens dos que não pensam como eu. E fazem-no com inteira legitimidade, tal como acontece connosco em Bruxelas, nos grupos de consulta da Comissão ou noutros fóruns em que representamos, com enorme orgulho a Indústria da Alimentação Animal da União Europeia (FEFAC), ou a nossa FIPA.

Jaime Piçarra – Secretário-Geral da IACA

Apesar de tudo isso, ou por causa disso, continuarei por aqui, na presunção de que somos úteis, desde logo aos nossos Associados e a quem nos lê, dando conta do que de relevante se passou na semana que termina, para o setor, seja indústria, pecuária, agricultura, mundo rural e também num gesto de cidadania, que pretende fugir ao pensamento único, com espírito crítico e liberdade de opinião. De quem acredita que podemos compatibilizar ambiente com produção de alimentos e que é possível ter futuro em Portugal e na Europa. Acreditar que é importante ouvir quem não pensa como nós, retirar alguma coisa de quem nos desafia, desconstruir os argumentos, olhar para o mundo à nossa volta, saber mudar com ele, e convencer os decisores políticos da nossa narrativa e das consequências das escolhas. E aí todos temos de participar.  Para isso, precisamos de estruturas associativas fortes, de empresários e agricultores que se comprometam, de conhecer melhor como funciona a União Europeia. A propósito, tenho-me dado conta de que existe uma enorme iliteracia neste domínio. A estes dois temas voltaremos certamente em próximas Notas, talvez mais perto das eleições europeias.

O facto é que se nos detivermos pelas redes sociais, ou em grupos de WhatsApp que se pulverizaram, mais ou menos temáticos, parece que tudo é negro. A realidade parece mais escura do que pode ser, sobretudo se nada fizermos. O contexto de instabilidade e incerteza, a ausência de respostas concretas e falar do que não se conhece também ajudam a “descolorir” essa realidade que, todos sabemos, não é brilhante: a seca e o debate sobre a água, ajudas tardias ou que não chegam, políticas públicas não raras vezes erráticas e dossiês que se arrastam desde há anos, a que se juntam o garrote legislativo de Bruxelas e a perceção de que nos confrontamos com a desagregação do Ministério da Agricultura e Alimentação, com a transferências de funções para as CCDR. Agora, soubemos esta semana, a perda de ajudas no quadro do PEPAC.

Muito desânimo da parte de inúmeros agricultores, vontade de abandonar a atividade ou de assumirem posturas mais radicais, como as que têm sido levadas a cabo pelos colegas alemães e franceses. Este radicalismo pode contaminar toda a Europa (veja-se também a Grécia) neste populismo que cresce, sobretudo à medida que nos aproximamos das eleições legislativas. Uma PAC que não responde aos problemas dos agricultores e da agroindústria, muita legislação que só nos estrangula, retira competitividade, condiciona os investimentos, demasiado ambientalista e que esquece a função de produzir alimentos, que não nos deixa ver para lá do “nevoeiro”.

Apesar deste estado de espírito algo depressivo, o setor continua resiliente e disponível para enfrentar a mudança, na certeza de que se for ouvido, e compreendido, se tiver os instrumentos adequados, estará à altura dos desafios.

E trazemos aqui alguns bons exemplos do Agroalimentar, de publicações de referência e que devem ser lidas, para estarmos atentos e ter mais informação para não sermos levados pela “espuma dos dias”. Desde logo, a revista Ingenium nº 182, da Ordem dos Engenheiros, e a edição nº 29 da CULTIVAR, editada pelo GPP.

Porque desistir não pode ser opção, analisamos três situações que, em nossa opinião, nos permitem descortinar alguma luz e continuar a trabalhar para que “valha a pena”. Tem de valer a pena.

primeira, e sabemos que a ideia não é nova, já conhecemos as posições de muitas organizações agrícolas, que se vinham arrastando, – também a tínhamos levado nós a Bruxelas –, que é a água. O facto é que Portugal levou o tema (e bem) ao Conselho Agrícola e o Rewater é uma oportunidade que permite envolver todos os Estados-membros neste grande dossiê, porque o tema das alterações climáticas está aí bem presente. E, tal como outros, convém que seja tratado sem demagogias e com transparência, em nome de um bem maior.

segunda, a relação com as diferentes entidades da Administração Pública, neste caso uma com quem nunca trabalhámos e com o qual temos de colaborar na implementação da legislação sobre desflorestação, o ICNF. No quadro de uma Conferência sobre Sustentabilidade & Desflorestação que realizámos no dia 24 de janeiro, de excelente nível, confirmámos que o Regulamento da Comissão (EURD), que teremos de aplicar a partir de janeiro de 2025, é, neste momento, impossível de implementar, podendo conduzir a disrupções do mercado em produtos tão relevantes como a soja, café, cacau, palma e carne de bovino, para além da madeira.

Não pretendemos ficar com o ónus de lidar com uma legislação que defrauda as expectativas dos consumidores, só onera custos e continuamos com a “má consciência” de sermos responsáveis pela desflorestação, quando o nosso peso (da Europa) é de apenas de 10%. O que fazer com os outros 90%?

Aqui o destaque é para o facto de sentirmos que estamos todos “no mesmo barco” e que o ICNF, cujos representantes assumiram uma postura de grande humildade que só os enobrece, quererem ser parte da solução em estreita cooperação com os setores, desde logo com o nosso. Estaremos inteiramente disponíveis e, para já, perante as evidências, seria prudente adiar-se a implementação da referida legislação, enquanto a Comissão não der as respostas adequadas. As consequências imediatas? Os fornecedores de soja, porque não conhecem o quadro legal em que se movimentam, recusam-se a fazer contratos para 2025.

terceira, prende-se com Bruxelas, as Novas Técnicas Genómicas e a posição favorável da Comissão do Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar (ENVI), secundando, pese embora com algumas alterações, a Comissão AGRI. Trata-se de um instrumento da maior relevância para a sustentabilidade e competitividade da nossa agricultura e da Indústria. Também em nome do direito à liberdade de escolha.

Aliás, pode ler-se aqui o comunicado de imprensa do Parlamento Europeu.  No próximo dia 7 de fevereiro, terá lugar o Plenário, no qual se irá decidir a votação final, esperemos que favorável. Teremos depois o trílogo para terminar o processo de codecisão.

É evidente que estas posições não “caem do céu”. Temos muita gente a trabalhar, a dar o melhor de si, felizmente em Portugal e na União Europeia, para que sejam possíveis algumas inversões/correções nas estratégias ou propostas legislativas. Também por isso, precisamos de reforçar as nossas organizações para fortalecermos o trabalho em Bruxelas, no âmbito das organizações europeias.

E tudo isto é tanto mais urgente porque começou o debate com a Sociedade Civil, com os agricultores e a indústria agroalimentar sobre o Futuro da Agricultura da União Europeia, tal como foi prometido no discurso sobre o Estado da União, pela Presidente da Comissão. E não podemos deixar de nos envolvermos neste debate.

Este é, pois, o tempo certo. Afinal, ainda é possível ver luz na escuridão!

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA