Introdução

A peeira (podridão dos cascos) é uma doença altamente contagiosa, que afeta a epiderme do espaço interdigital e unhas de ovinos e caprinos. Esta doença é a principal causa de claudicação em pequenos ruminantes, sendo responsável por perdas significativas a nível económico e produtivo. Ela resulta das interações entre o agente causal Dichelobacter nodosus, uma bactéria anaeróbica gram-negativa, e a comunidade bacteriana do casco, sendo que a sua incidência e severidade pode ser influenciada por fatores ambientais e genéticos do hospedeiro. A nível clínico, a peeira é classificada de formas distintas: dermatite interdigital, caracterizada pela inflamação da epiderme interdigital e a forma grave da doença, a podridão grave dos cascos. Nesta última, ocorre a separação da unha do casco do tecido sensível subjacente, resultando em necroses no espaço interdigital, que leva à claudicação. Atualmente, a utilização de ferramentas genómicas permite caracterizar e quantificar a comunidade bacteriana presente nos cascos afetados, melhorando o conhecimento sobre os diferentes agentes etiológicos microbianos da peeira, assim como identificar marcadores genéticos. A raça Merina, predominante na região do Alentejo, é criada para a produção de carne, leite e lã em sistema agro-silvo-pastoril, e é uma das raças de ovinos mais suscetíveis à peeira.

Metodologia

No contexto do projeto Gen-Res-Alentejo (ALT20-03-0145-FEDER-000037), foram visitadas 17 explorações distribuídas pela região do Alentejo. Em cada uma, foram selecionados de forma aleatória cerca de 100 animais (raça Merina ou animais cruzados), e cada pata classificada em função do grau de lesão segundo a escala modificada de Ergerton & Roberts (1971), escala de 0 a 5, em que zero indica ausência de infeção e 5 infeção severa. Foi garantido que nenhuma medida de controlo ou tratamento da peeira foi aplicada antes da inspeção e recolha de amostras. Para a caracterização da comunidade bacteriana foram obtidas 212 amostras de tecido dos cascos de animais com diferentes graus de lesão. Relativamente à caracterização da variabilidade genética e à sua associação com uma maior suscetibilidade/resistência à doença foram estudados cerca de 1400 animas. O fenótipo utilizado na análise de associação genética para cada animal foi definido através de um fator de ponderação de forma a contabilizar não só o grau de lesão, mas também o número de patas afetadas.

Resultados

Distintas comunidades bacterianas foram identificadas em cascos com diferentes graus de lesão, num total de 63 filos e 504 famílias. À medida que a gravidade da infeção aumenta, a diversidade de microorganismos diminui, desencadeando uma mudança na composição do microbioma de um dominante gram-positivo em estágios leves para um dominante gram-negativo nos estágios graves. Várias espécies anteriormente associadas à peeira e a outras doenças polimicrobianas que afetam a epiderme e provocam respostas inflamatórias, como Treponema spp., Staphylococcus spp., Streptococcus spp. e Campylobacter spp. foram identificadas, proliferando com a gravidade das lesões.

Percentagem de filos gram-positivos versus os gram-negativos à medida que a doença de infeção por peeira progride. FS: Footrot Score (grau de lesão); OG: Outgroup (grupo controlo).

Embora estas bactérias não sejam capazes de desencadear a peeira por si, várias evidências foram descritas suportando a sua associação com o aumento da gravidade e incidência das lesões causadas por Dichelobacter nodosus e Fusobacterium necrophorum. É necessária investigação adicional para poder estabelecer os papéis de taxonomias específicas e assim poder identificar quais desempenham um papel relevante no processo da doença e quais são patogénicos oportunistas (…).

→ Leia o artigo completo na Revista Voz do Campo: edição de janeiro 2024

Autores: Ana Usié1,2 & Daniel Gaspar1,3

1Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (CEBAL)/ Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), 7801-908 Beja, Portugal

2MED – Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development & CHANGE – Global Change and Sustainability Institute, CEBAL – Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo, 7801-908 Beja, Portugal

3BIOPOIS/CIBIO-InBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto, Campus de Vairão, R. Padre Armando Quintas 7, 4485-661, Vairão, Portugal