Em entrevista exclusiva à Voz do Campo, Martinho Santos, diretor geral da Frutas Martinho, expressa profunda preocupação com os cortes anunciados pela Associação Portuguesa do Ambiente (APA) no fornecimento de água para os pomares de citrinos no Algarve.

O empresário destaca a importância crucial da água ao longo do ciclo da laranjeira, referindo que qualquer escassez pode impactar negativamente a qualidade e o calibre dos frutos, o que se traduzirá na prática em “inevitáveis prejuízos à produção caso os cortes propostos sejam implementados”, argumentando ainda que isso “seria dramático para a cultura e muito prejudicial para a região”. Martinho Santos destaca a dualidade nas práticas de rega no Algarve: captação subterrânea e utilização de barragens. O ponto crucial na sua região, reside no aquífero Querença-Silves, monitorado pela APA que sem precipitação, a recarga é comprometida, ameaçando os furos regionais. A problemática acentua-se com as captações da Águas do Algarve para abastecimento público, que na sua opinião afetam negativamente os furos locais. Cada exploração, possui normalmente até 3 furos, monitorados rigorosamente nos últimos cinco anos pela APA, evidenciando a preocupação em controlar o consumo hídrico nas atividades agrícolas.

A agricultura no Algarve enfrenta estratégias integradas

A gestão das barragens, sob responsabilidade de associações como a de Regantes de Silves, Portimão e Lagoa, oferece um controle mais efetivo sobre o uso da água. Contudo, salienta o diretor geral da Frutas Martinho que “a escassez de água desafia os pomares abastecidos por barragens, contrastando com condições mais favoráveis em explorações que dependem de furos”. Ainda na sua opinião “a agricultura no Algarve enfrenta uma encruzilhada, exigindo estratégias integradas para garantir a sustentabilidade hídrica e a prosperidade dos pomares na região.” Ao abordar soluções, Martinho Santos defende a implementação de projetos antigos, como os transvazes de norte para sul, como uma alternativa mais viável e sustentável do que a dessalinização proposta, e argumenta que “trazer água de regiões excedentes para onde falta, utilizando o potencial do Alqueva, seria mais eficaz e menos oneroso.” Para o empresário, a resposta não está na dessalinização prometida para o centro da região, pois além do custo elevado para a agricultura, alerta para o impacto ambiental negativo que essa tecnologia pode acarretar.

Retirar água do mar não é solução

Uma alternativa apresentada por Martinho Santos é a antiga prática dos transvazes de norte para sul. Argumenta que essa solução, embora tradicional, deveria ter sido concluída há muito tempo. “Retirar água do mar para dessalinização não é apenas dispendioso, mas também resulta na extração de cloreto de sódio (sal), que precisa ser depositado noutro local, gerando um impacto ambiental significativo”, justifica.

O produtor de citrinos salienta a necessidade de uma revisão profunda da política agrícola, com especial atenção para a agricultura algarvia, e adverte que a falta de medidas adequadas pode levar à transformação do Algarve num deserto, reforçando a importância dos governantes considerarem seriamente a sustentabilidade hídrica na região. Nas palavras do nosso entrevistado ecoa o apelo por uma abordagem mais holística e cuidadosa na gestão hídrica do Algarve, instando os líderes a repensarem as estratégias propostas e a considerarem alternativas mais sustentáveis para garantir o futuro hídrico da região.

Os citricultores fazem uma irrigação otimizada, minimizando perdas por evaporação

O citricultor algarvio destaca a avançada automatização na produção de citrinos, equiparando-se aos padrões de eficiência de outras regiões globais. Por exemplo o uso de sistemas de rega gota a gota, aliado a estações meteorológicas, resulta numa irrigação otimizada, minimizando perdas por evaporação. Martinho Santos refere a importância do compromisso diário necessário para manter a qualidade, abrangendo práticas como fertilização, tratamentos fitossanitários, controle de infestantes e ainda a poda e limpeza das árvores.

O entrevistado destaca ainda o enrelvamento como prática crucial, não apenas para combater pragas, mas também para conservar o solo, introduzir matéria orgânica e preservar a humidade. Na sua opinião a retirada de substâncias ativas do mercado, embora positiva para o meio ambiente, coloca os agricultores europeus em desvantagem competitiva.

Também a problemática dos defeitos epidérmicos nos frutos é abordada pelo produtor, destacando a sensibilização do consumidor para reduzir o desperdício alimentar. Martinho ressalta a importância de reconhecer a qualidade intrínseca dos produtos, mesmo que apresentem imperfeições visuais.

Abordagens biológicas pela ausência de substâncias ativas

O citricultor expressa a preocupação com novas pragas, como uma trip recentemente detetada em Portugal, já que a ausência de substâncias ativas para o tratamento exige abordagens biológicas, aumentando os custos de produção que eventualmente impactam o consumidor final. O empresário deixa um apelo ao consumidor para valorizar produtos com “defeitos” visuais insignificantes, ressaltando que estes não comprometem a qualidade nem a segurança alimentar. O nosso entrevistado fala ainda do papel da Frutas Martinho no mercado, ao revelar uma produção anual de 20 milhões de quilos de citrinos, sendo a laranja responsável por 80% dessa produção, destacando a importância da Indicação Geográfica Protegida (IGP) e do Programa de Certificação Agrícola (GLOBALG.A.P) para a qualidade das laranjas da região.

Certificações em risco com cortes de água anunciados

A IGP, para a Frutas Martinho, desempenha um papel crucial ao testar e confirmar as características distintivas do produto. Essa certificação não apenas promove o reconhecimento internacional da laranja algarvia, mas também proporciona uma garantia aos consumidores quanto às suas qualidades superiores. O produtor destaca o rigoroso caderno de encargos, onde critérios como sabor, sumo e apresentação são essenciais, expressando ainda as preocupação com a crescente dificuldade de cumprir tais padrões, especialmente diante do desafio da escassez hídrica. “Os cortes anunciados tornarão ainda mais árduo o processo de produzir frutas de qualidade, comprometendo a satisfação do cliente final.”

Apesar desses obstáculos, Martinho destaca o papel essencial de entidades como a Associação de Operadores de Citrinos do Algarve (Algarorange), que defende ativamente a citricultura local. A União dos Produtores Horto-frutícolas do Algarve (Uniprofrutal) e as Associações de Regantes que também estão a desempenhar um papel vital na luta pelo acesso à água.

A colaboração entre produtores e entidades torna-se crucial para encontrar soluções

A citricultura algarvia enfrenta, assim, na opinião do fruticultor, um momento crítico, onde a necessidade de água para atender aos padrões de certificação colide com os desafios da escassez. A colaboração entre produtores e entidades do setor torna-se crucial para encontrar soluções sustentáveis e preservar a qualidade reconhecida das laranjas da região. Por fim, Martinho Santos enfatiza a necessidade de conscientização dos consumidores sobre a realidade da produção, ressaltando os desafios enfrentados pelos agricultores, como a retirada de substâncias ativas da União Europeia e o seu impacto nos padrões estéticos dos frutos.

Em suma, esta entrevista destaca a complexidade enfrentada pela citricultura algarvia e a urgência de medidas que garantam a sustentabilidade desta atividade essencial para a economia regional e nacional (…).

→ Leia a reportagem completa na Revista Voz do Campo: edição de fevereiro 2024