Ricardo Vieira Santos¹, Gottlieb Basch¹, Ana Elisa Rato¹, Gabriela Cruz², Ana Paiva Brandão², Felisbela Torres de Campos³

¹MED-UÉvora.

²APOSOLO- Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo.

³Syngenta Crop Protection.

Existe um caminho a percorrer, mas o consórcio do projeto TomAC já demonstrou que as práticas de Agricultura de Conservação na produção do tomate de indústria têm potencial para melhorar a qualidade do solo e aumentar a produtividade da cultura, com menor uso de fatores de produção.

O tomate de indústria é produzido convencionalmente em Portugal em sistema de monocultura, intensa mobilização do solo e solo descoberto durante o período de Inverno. Estas práticas podem pôr em causa a sustentabilidade do sistema de produção a médio/longo prazo, nomeadamente ao nível da degradação da estrutura do solo, perda de matéria orgânica, diminuição da biodiversidade do solo, perda de nutrientes por lixiviação, e problemas na gestão de infestantes, pragas e doenças (Massaccesi et al., 2020; Massantini et al., 2021).

O projeto TomAC – Produção Sustentável de Tomate para Indústria através da Aplicação dos Princípios da Agricultura de Conservação, surge de uma parceria entre Ag-Innov- Centro de Excelência do Grupo Sugal, produtor e transformador de tomate, a Syngenta Crop Protection, o MED-UÉvora (Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento da Universidade de Évora) e a APOSOLO (Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo). O projeto tem como objetivo a identificação de práticas que melhorem a sustentabilidade do sistema de produção de tomate de indústria, tendo por base a aplicação dos Princípios da Agricultura de Conservação: 1) Mínima perturbação do solo; 2) Cobertura permanente do solo com plantas ou resíduos; 3) Rotação e diversidade de culturas (González-Sánchez et al., 2016; Page et al., 2020).

O ensaio decorre desde 2021, numa parcela de 12 ha localizada na Lezíria Grande de Vila Franca de Xira, onde são testados 3 sistemas de produção:

• Convencional: monocultura, mobilização intensa do solo e solo descoberto durante o Inverno;

• TomCober: mobilização apenas na linha para plantação de tomate (Princípio 1) e cultura de cobertura no período de Inverno (Princípio 2);

• Rotação: mobilização apenas na linha para plantação de tomate (Princípio 1), cultura de cobertura no período de Inverno (Princípio 2) e rotação bienal de tomate com girassol ou milho (Princípio 3). Os resultados obtidos no ciclo de produção de 2021/2022 mostraram o potencial da aplicação dos princípios da Agricultura de Conservação na melhoria da sustentabilidade agronómica, ambiental e económica do sistema de produção de tomate de indústria.

As práticas de agricultura de conservação contribuíram para aumentar a produtividade de tomate comercializável entre 23% e 47% face ao sistema Convencional.

A destacar, a produtividade de biomassa obtida pela cultura de cobertura formada por uma mistura de gramíneas e leguminosas, a rondar as 5 t peso seco/ha, cerca de 17 vezes superior à produção obtida pela vegetação espontânea no sistema Convencional com apenas 300 kg peso seco/ha (ver gráfico 1). Esta maior produção de biomassa obtida pela cultura de cobertura permitiu a retenção de 92 a 123 kg de azoto/ha, face a apenas 5 kg/ha retidos pela vegetação espontânea no sistema Convencional (ver gráfico 2). Ao assimilar o azoto existente no solo, a cultura de cobertura protege-o de ser lixiviado em profundidade, com notórios ganhos ambientais ao nível da redução da poluição de água subterrânea. A manutenção dos resíduos da cultura de cobertura sobre a superfície do solo, permite a disponibilização do azoto retido ao sistema, podendo voltar a ser utilizado pela cultura do tomate, permitindo, consequentemente, uma redução da fertilização azotada e dos respetivos custos de produção.

A instalação do tomate com recurso a mobilização apenas na linha de plantação (através de uma multifresa adaptada), deixando a restante extensão de solo intacta e coberta com resíduos da cultura de cobertura (ver figura 2), originou uma mortalidade de plântulas à plantação, no ano de 2021/2022, de 4 a 7,5 vezes superior ao Convencional, indicando que existem melhorias a implementar neste processo, nomeadamente ao nível da regulação da multifresa e do plantador convencional utilizado. Contudo, apesar de uma maior mortalidade de plântulas, foi obtido um aumento da produtividade de tomate comercializável entre 23 % (+ 17 t/ha) no sistema TomCober a 47 % (+ 35 t/ha) no sistema Rotação face ao sistema Convencional (75 t/ha) (ver gráfico 3), particularmente no sistema Rotação em que o aumento foi significativo e demonstra os benefícios que pode ter a introdução de uma rotação no sistema de produção de tomate de indústria.

O aumento dos custos de produção referente à instalação e semente da cultura de cobertura (+ 123 €/ha), e à mobilização na linha, incluindo o destroçamento de resíduos (+ 120 €/ ha), mostrou ser um investimento claramente justificado pelo aumento da produtividade de tomate (+ 17 a 35 t/ha) alcançado em 2021/2022.

De notar que condições de precipitação aquando da colheita do tomate, conjugadas com o peso da maquinaria utilizada na colheita, originaram a compactação do solo e deformação do camalhão. Consequentemente, houve a necessidade de recorrer às convencionais operações de mobilização do solo para efetuar a descompactação do solo e a armação do camalhão, de modo a permitir uma adequada instalação da cultura de cobertura. Contudo, em condições de solo seco à colheita, é de esperar que a compactação do solo e deformação do camalhão sejam minimizadas, possibilitando a re-armação do camalhão e a instalação da cultura de cobertura por sementeira direta. Estas práticas poderão originar uma melhoria da saúde/estrutura do solo e uma redução significativa dos custos face à mobilização convencional de toda a extensão de solo. Durante o ciclo da cultura de cobertura 2021/2022 o camalhão manteve-se em boas condições, estando apto para a posterior plantação do tomate.

Oportunidades e desafios

O trabalho já realizado demonstra o potencial que a aplicação dos princípios da Agricultura de Conservação pode ter na melhoria da sustentabilidade agronómica, ambiental e económica do sistema de produção de tomate de indústria. As oportunidades até agora identificadas incluem:

Melhoria da qualidade do solo através da ação da cultura de cobertura e da mobilização na linha, disponibilizando melhores condições de crescimento ao tomate de forma a potenciar a sua produção;

Retenção de azoto pela cultura de cobertura, evitando a sua perda por lixiviação e permitindo a redução da fertilização azotada e dos custos associados;

− A mobilização na linha foi realizada por uma multifresa adaptada para o efeito, permitindo recorrer a uma alfaia utilizada habitualmente na produção convencional, sem necessidade de aquisição de alfaia específica.

No entanto, foram igualmente identificados os seguintes desafios:

A colheita do tomate deve ser feita com solo com baixo teor de humidade, de modo a evitar a compactação do solo e a deformação do camalhão, evitando a necessidade de operações de mobilização, e fomentando os benefícios que a mínima perturbação do solo pode originar ao nível da qualidade do solo e redução de custos. Este aspecto pode limitar a aplicação das práticas em parcelas com colheita tardia, realizada após o início da precipitação;

− O azoto retido pela cultura de cobertura pode não ficar disponível a tempo de ser usado no ciclo de tomate seguinte, pelo que é necessário ter em conta que a abordagem implica uma visão a médio prazo, até que o processo de retenção e disponibilização de azoto funcione adequadamente;

− Consciencialização por parte dos produtores da necessidade de adaptação do itinerário técnico para aplicação das práticas de Agricultura de Conservação, e do tempo necessário para que as práticas produzam os efeitos esperados.

A precipitação ocorrida no início do Outono de 2022 impediu a instalação da cultura de cobertura, e consequentemente a implementação da totalidade das práticas de Agricultura de Conservação previstas para o ciclo de produção de tomate de 2022/2023. Atualmente, decorre o ciclo da cultura de cobertura (instalada no Outono de 2023), prevendo-se que as práticas de Agricultura de Conservação sejam implementadas na campanha de produção de tomate de 2023/2024, de modo a serem obtidos resultados que possam ser considerados na tomada de decisão pelos agricultores sobre o itinerário técnico para a produção de tomate de indústria em Agricultura de Conservação.

As práticas de Agricultura de Conservação contribuíram para aumentar a produtividade de tomate comercializável entre 23% e 47% face ao sistema Convencional.

O projeto TomAC é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia através da bolsa de doutoramento 2021.07037.BD e pela Syngenta Crop Protection.

Créditos Fotografias:

Foto 1 – Nélia Silva, Comunicland

Figura 1 e 2 – Ricardo Vieira Santos, MED-UÉvora Referências González-Sánchez, E.J., Kassam, A., Basch, G., Streit, B., HolgadoCabrera, A., Triviño-Tarradas, P. 2016. Conservation Agriculture and its contribution to the achievement of agri-environmental and economic challenges in Europe. AIMS Agriculture and Food, 1 (4), 387-408. Doi: 10.3934/agrfood.2016.4.387

Massaccesi, L., Rondoni, G., Tosti, G., Conti, E., Guiducci, M., Agnelli, A. 2020. Soil functions are affected by transition from conventional to organic mulch-based cropping system. Applied Soil Ecology, 153, 103639. DOI: 10.1016/j.apsoil.2020.103639 Massantini, R., Radicetti, E., Frangipane, M.T., Campiglia, E. 2021. Quality of tomato (Solanum lycopersicum L.) changes under different cover crops, soil tillage and nitrogen fertilization management. Agriculture, 11 (2), 106. DOI: 10.3390/ agriculture11020106

Page, K.L., Dang, Y.P., Dalal, R.C. 2020. The ability of Conservation Agriculture to conserve soil organic carbon and the subsequent impact on soil physical, chemical, and biological properties and yield. Frontiers in Sustainable Food Systems, 4, 31. DOI: 10.3389/fsufs.2020.00031

→ Leia o artigo na Revista Voz do Campo: edição de março 2024

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