A nível nacional os tempos no sector orizícola poderão ser de mudança, assim os ventos soprem a favor e os mares permitam que os navegadores dobrem o Cabo da Boa Esperança.

António Jordão
Engenheiro Agrícola, Vogal Do Conselho Regional Do Colégio De Engenharia Agronómica Da Ordem Dos Engenheiro – Região Centro

A década de 20 do século XXI começou inquietante e com muitas incertezas para a Humanidade.

No início do ano de 2020 a Organizou Mundial de Saúde confirmou a existência dum vírus como agente causador dum surto de pneumonias na cidade chinesa de Wuan. A agricultura e a pecuária foram algumas das actividades económicas que nunca pararam, por um lado, porque não é possível interromper o ciclo biológico dos vegetais e dos animais, por outro, porque é a partir deles que nos alimentamos, havendo que manter e cuidar dos sistemas produtivos para os alimentos nos chegarem todos os dias à mesa. A seguir à pandemia de COVID-19 foi a invasão da Ucrânia pela Rússia em Fevereiro de 2022, numa escalada dum conflito que já vinha desde 2014.

Esta guerra teve, tem e continuará a ter, sabe-se lá até quando, enormes e incalculáveis impactos na saúde, na agricultura (a Ucrânia é um dos principais exportadores de cereais), na segurança alimentar, no fluxo de migrantes, de refugiados e de deslocados, na energia, nos adubos químicos, no carvão, no petróleo, nos transportes, nos combustíveis, no fundo, em tudo o que interfere com o nosso dia-a-dia, a que se devem ainda acrescentar os aumentos dos juros bancários e da inflação na Zona Euro e em Portugal.

Os agricultores europeus têm “sentido na pele” todos estes problemas, em sua opinião e das associações que os representam, a causa para a má situação económica por que está a passar o sector deve-se ao crescente aumento dos factores de produção e das matérias primas, à concorrência desleal com produtos que chegam de fora da Europa a preços muito mais baixos e que foram produzidos sem as restrições e as obrigações que a União Europeia impõe aos seus agricultores em termos da utilização dos produtos fitofarmacêuticos, dos adubos, das regras de bem-estar animal, do cumprimento da legislação ambiental, dos compromissos em matéria de mitigação e de adaptação às alterações climáticas e das regras da PAC.

Portugal não poderia ser excepção, por isso, a acrescentar a todas estas ameaças, ainda temos as questões da aplicação e das medidas do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), da seca e da falta de reservatórios que permitam reter a água de modo a tê-la disponível se e quando fizer falta, da deficiente organização e agregação da produção, da falta de (re) conhecimento do sector por parte do poder político e da sociedade civil e da dificuldade que a “agricultura” tem em comunicar para o maior número possível de pessoas de forma simples, eficaz e competente.

Mas há aspectos positivos na actividade agrícola e são inúmeros os casos de sucesso nos vários sub-sectores agrícolas, aqui se incluindo também o sector orizícola. E muito deste sucesso advém da capacidade de resiliência e de adaptação dos agricultores e empresários agrícolas face às dificuldades e adversidades que têm que enfrentar todos os dias, mas também do aumento e da melhoria da sua formação profissional e académica, da capacidade de utilizar novas ferramentas tecnológicas e de produção, da disponibilidade em “sair fora da caixa” para fazer diferente, mas sobretudo o saber fazer de forma mais eficiente e sustentável a vários níveis. Mas o final da década anterior e o início desta podem representar o início do virar da página na cultura do arroz, tema central deste artigo de opinião.

Entre 2017 e 2021 foram inscritas no Catálogo Nacional de Variedades (CNV) quatro variedades portuguesas de arroz obtidas pelo Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz, após um interregno de cerca de 30 anos sem variedades nacionais neste documento sob responsabilidade da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, que mantém e actualiza conforme as variedades candidatas e as que reúnem condições para constarem do mesmo.

Este resultado é consequência, por um lado, da constituição, em 2003, do COTARROZ e de uma equipa capaz de retomar a investigação na cultura do arroz, sob coordenação do INIAV.

Por outro lado, através do financiamento das entidades que constituem o COTARROZ e de projectos de investigação, foi possível alocar verbas para desenvolver as actividades de investigação para a realização de novos cruzamentos que permitam obter novas variedades.

Qualquer programa de melhoramento genético é um processo dinâmico e evolutivo, uma vez que a obtenção de novos cruzamentos é permanente e constante, sendo estes a base dos ensaios de linhas de gerações segregantes as quais darão origem aos ensaios de avaliação agronómica das linhas avançadas entretanto selecionadas de acordo com os resultados que obtiverem nos mesmos.

A existência do melhoramento genético nacional de arroz apresenta várias vantagens:

• Possibilita a criação de novas variedades ajustadas às condições agro-económicas e climáticas do sistema de produção de arroz em Portugal e a disponibilização das mesmas aos agricultores nacionais;

• Permite um conhecimento mais profundo das características e do comportamento das variedades obtidas relativamente às variedades importadas;

• É um contributo para a economia e a agricultura circular, uma vez que a venda dos direitos das variedades obtidas permite o financiamento das actividades de investigação realizadas em Portugal;

• Evita o pagamento de royalties ao País de origem das variedades importadas;

• É uma forma de apresentar aos responsáveis políticos e à sociedade civil a importância da investigação agrícola, o contributo para a soberania e segurança nacionais e a sustentabilidade do sector.

Mas para conhecimento e avaliação das novas variedades portuguesas que possam ter interesse para a fileira do arroz, é necessário manter a realização de actividades de divulgação e de transferência do conhecimento produzido pela investigação, e agregar a distribuição, para ajudar a percepcionar as preferências em termos do consumo de arroz.

O COTARROZ e a CASA DO ARROZ têm feito esse esforço, para que a obtenção das novas variedades nacionais sejam do interesse, desde a produção, passando pela indústria até à distribuição.

Os recursos necessários para financiar e prosseguir com todo este trabalho de investigação só estarão assegurados com a existência de organizações robustas, com dimensão e sentido crítico, com arroz produzido a partir de variedades nacionais e com valor acrescentado, com o devido reconhecimento do sector e com o estabelecimento de parcerias fortes e duradoras em que estejam envolvidos todos os intervenientes na fileira: produtores (através das suas organizações da produção e associações), empresas de factores de produção e de sementes, indústria e distribuição, contribuindo assim para a sustentabilidade económica e ambiental da produção nacional de arroz.

Nota: As ideias expressas são da inteira e da exclusiva responsabilidade do seu autor

*Escrito no âmbito do antigo acordo ortográfico

→ Leia o artigo publicado na Revista Voz do Campo: edição de abril 2024