“Existe necessidade de optar por uma estratégia nacional assente num modelo de gestão do património florestal”

Entrevista a Pedro Ramos, presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA).A floresta portuguesa ocupa 36% do território nacional e por isso assume particular importância para o tecido produtivo nacional. Contudo, de uma forma consciente, tem de existir um equilíbrio entre as funções de produção e as funções de proteção da floresta. A floresta de produção é um negócio e como negócio gere-se pelo princípio da máxima rentabilidade – produção máxima na menor área possível. A floresta de proteção ou de conservação tem objetivos completamente diferentes e assenta sobretudo na proteção dos ecossistemas. O objetivo é criar um equilíbrio na ocupação do espaço florestal em que ambas as florestas possam coexistir.

Difícil? Sim. Impossível? Não.

É desta forma que o presidente da direção da ANEFA, Pedro Ramos, olha para a floresta. Assumindo ao mesmo tempo, que com a presença das alterações climáticas o setor florestal pode assumir um papel de grande importância já que a floresta se assume como um dos principais sumidouros de carbono e possivelmente aquele que se torna mais acessível do ponto de vista prático.

Como olha hoje para a floresta portuguesa?

O olhar para a floresta portuguesa tem de ser sempre um olhar de esperança.

Após os incêndios de 2017 criou-se a ideia, junto da sociedade civil, que o que aconteceu estava relacionado apenas com o tipo de floresta que possuímos e a ausência de limpeza da mesma. Criticou-se a gestão florestal existente e dramatizou-se para se poder justificar a estratégia que se seguiu.

Para quem trabalha na floresta há vários anos, o que aconteceu foi apenas o culminar de uma situação para a qual contribuíram diferentes fatores, uns controláveis e outros não controláveis. Nos não controláveis estão obviamente as alterações climáticas e as condições climatéricas que se observaram naqueles dias. Nos possíveis de controlo está uma economia florestal degradada, assente num número reduzido de indústrias e consequentemente num número reduzido de espécies que ocupam a nossa área florestal.

A floresta portuguesa ocupa 36% do território nacional e por isso assume particular importância para o tecido produtivo nacional. Contudo, de uma forma consciente, tem de existir um equilíbrio entre as funções de produção e as funções de proteção da floresta. A floresta de produção é um negócio e como negócio gere-se pelo princípio da máxima rentabilidade – produção máxima na menor área possível. A floresta de proteção ou de conservação tem objetivos completamente diferentes e assenta sobretudo na proteção dos ecossistemas. O objetivo é criar um equilíbrio na ocupação do espaço florestal em que ambas as florestas possam coexistir.

Difícil? Sim. Impossível? Não.

A floresta de conservação, não sendo uma floresta produtiva, tem sobretudo custos de instalação e gestão, sendo as suas receitas algo que é difícil de quantificar, mas que têm de existir – bens como a qualidade do ar, a qualidade da água, a proteção dos solos, a biodiversidade, etc. são fundamentais para a sobrevivência da espécie humana. Sendo difíceis de quantificar são difíceis de valorizar. Por isso, os custos associados a este tipo de floresta devem ser suportados pela outra floresta, a de produção, que, na teoria, se destina a ser rentável.

O problema é que temos uma floresta de produção assente num pequeno número de indústrias que exercem uma estratégia de monopólio, condicionando dessa forma a rentabilidade da produção. Os preços à produção não são objeto de uma economia de mercado, mas antes do valor que essas indústrias acham justo. E essa estratégia, que tem sido aplicada nos últimos 30 anos, tem conduzido à degradação do valor da floresta.

Os lucros da indústria são enormes, mas isso não se reflete no apoio à produção. Por isso, temos hoje uma floresta degradada onde a gestão é cada vez menos uma preocupação. E se não há dinheiro para a floresta de produção, menos dinheiro há para a floresta de conservação.

Com isto não quero dizer que uma floresta de produção não pode exercer igualmente funções de conservação. Pode, mas se for bem gerida. E gerir bem tem custos que têm de ser suportados pelas receitas que geram. E isso não acontece já há alguns anos.

Tudo isto pode ser melhorado através de uma gestão cuidada do património florestal.

Que representatividade tem a ANEFA?

A ANEFA é a única associação em Portugal que representa os prestadores de serviços à agricultura, floresta e ambiente. Na área do ambiente existem mais organizações e a representação da ANEFA acaba por incidir sobretudo nas empresas que trabalham no paisagismo.

As estatísticas tornam difícil a sua quantificação, mas nas últimas estimativas que se fizeram associadas apenas à floresta (2021) estaremos a falar de uma produção de 1333,17 milhões de euros, com um universo de cerca de 8000 empresas, espalhadas por todo o país, constituindo cerca de 0,59% do total de empresas a nível nacional.

Qual a sua missão?

A nossa missão é a de contribuir para o desenvolvimento dos setores agrícola, florestal e ambiental, de uma forma sustentável, garantindo dessa forma que as nossas empresas terão sempre trabalho. 

Quem são os associados da ANEFA e qual o seu perfil?

As empresas que representamos realizam o planeamento, a certificação, a produção de materiais agrícolas e florestais de reprodução, a mobilização do solo, a plantação e a sementeira, a manutenção de áreas agrícolas e florestais através dos seus tratamentos culturais, a colheita de produtos agrícolas e florestais e a entrega junto das unidades industriais.

A maior parte são pequenas e médias empresas, predominando as microempresas, de origem familiar, com capacidade técnica e tecnicamente bem equipadas.

Em muitas das zonas do nosso país são elas os principais empregadores, garantindo um rendimento às populações locais. Da mesma forma, através do aconselhamento técnico e da introdução, divulgação e aplicação das tecnologias mais avançadas, assumem a preservação do meio ambiente como uma prioridade, garantindo dessa forma, não apenas a produção em si, mas também a segurança dos ecossistemas. Procuramos assim defender a sustentabilidade do mundo rural. 

Quais são os grandes constrangimentos e oportunidades do setor florestal?

Com a presença das alterações climáticas o setor florestal pode assumir um papel de grande importância já que a floresta se assume como um dos principais sumidouros de carbono e possivelmente aquele que se torna mais acessível do ponto de vista prático.

Essa situação poderá trazer novos investidores para o setor, que estão dispostos a investir na floresta de conservação, já que se trata de uma floresta que se pode autorregenerar e que normalmente só é abatida no fim de vida das árvores.

A nível nacional a existência de uma economia florestal assente num número reduzido de indústrias de grande capacidade é claramente um constrangimento. A necessidade de área para abastecimento dessas indústrias é muito grande e tratando-se de indústrias de grande capacidade financeira tornam difícil o aparecimento de novos negócios que poderiam promover a instalação de outros tipos de floresta.

Existe igualmente a necessidade de optar por uma estratégia nacional assente num modelo de gestão do património florestal. Nos últimos 30 anos tem-se andado a saltar de modelo em modelo, não dando tempo nem condições para o estabelecimento efetivo de um modelo de gestão. Cada vez que muda um governo surgem novas ideias e gasta-se todo o tempo e dinheiro a fazer planos com uma duração de quatro anos.

É importante recordar que a floresta não cresce a esse ritmo e uma vez instalada tem uma ocupação com uma duração, em média, de 30/40 anos.

Nesse sentido, quais são os caminhos possíveis para a valorização do setor florestal português?

A valorização do setor florestal português terá de passar pela gestão profissional do património florestal. Nos últimos anos a floresta tem sido sempre associada ao problema dos fogos rurais e toda a estratégia assumida tem como objetivo a redução do risco de incêndio, gastando todo o dinheiro disponível para a floresta na prevenção e combate aos fogos rurais.

De uma vez por todas há que dissociar a floresta dos fogos rurais e investir numa gestão profissional do património florestal. Só assim poderemos valorizar o património florestal nacional e avançar para uma economia florestal mais estruturada e assente em diferentes indústrias de base florestal.

E, como vê a mudança da pasta da floresta do Ministério do Ambiente para o Ministério da Agricultura?

Em nosso entender, dada a importância da floresta para a vida das pessoas, a floresta já merecia o Ministério da Floresta. Mas, consideramos a passagem positiva, uma vez que o património florestal está associado ao mundo rural onde a agricultura assume um papel primordial. Há interesses que são comuns entre o setor agrícola e o setor florestal que envolvem os mesmos agentes, o que facilita a gestão profissional da floresta.

Não se quer dizer com isto que o ambiente fica secundarizado, já que a proteção do ambiente é um dos principais objetivos da floresta, mas antes que a visão sobre o património florestal é mais consensual integrada no mundo rural.

Em termos políticos, o que reivindica o setor? Quais serão as medidas mais prementes para impulsionar e dinamizar o setor?

Uma clara mudança de estratégia, do fogo para a gestão profissional. A gestão profissional permite tornar a floresta mais resiliente e prevenir todos os riscos, entre os quais o risco de incêndio. Não podemos assentar a estratégia, num setor onde o dinheiro é escasso, numa política de limpeza anual de milhares de hectares, sem qualquer razão aparente, com todos os custos económicos, ambientais e sociais associados. Chama-se a isso desperdiçar e o objetivo deve ser reduzir o desperdício (…).

→ Leia a entrevista completa na Revista Voz do Campoedição de julho 2024.

Uma das grandes atividades da Associação é a organização da ExpoFlorestal. Que balanço fazem da ExpoFlorestal 2024?

A organização da ExpoFlorestal é o trabalho de três entidades – a ANEFA, a AFBV – Associação Florestal do Baixo Vouga e a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Albergaria-a-Velha.O balanço é muito positivo – 152 expositores diretos e 33.000 participantes, observando-se um crescimento de 17% no número de expositores e um ligeiro aumento no número de visitantes em relação à edição anterior. Pensamos que a alteração do layout da feira acabou por contribuir para o sucesso de evento.

Destacamos nesta edição um assumir do evento como um local não apenas para a exposição de equipamentos e para a realização de negócios em seu redor, mas também para trazer e discutir questões que são importantes para o desenvolvimento do setor como o Regulamento Europeu Anti-Desflorestação, os Serviços de Ecossistema e Recuperação Ecológica da Paisagem, o Mercado de Carbono, a Bioeconomia Florestal, a Eletrificação na Floresta e Prevenção de Riscos na Floresta.

Que mensagem gostaria de deixar aos produtores florestais?

A floresta não pode ser encarada como um problema, mas antes como um património que importa preservar, por constituir um dos principais legados para as gerações futuras.

ANEFA em números:

Nas últimas estimativas que se fizeram associadas apenas à floresta (2021) estaremos a falar de uma produção de 1333,17 milhões de euros, com um universo de cerca de 8000 empresas, espalhadas por todo o país, constituindo cerca de 0,59% do total de empresas a nível nacional.

ExpoFlorestal 2024 em números:

A ExpoFlorestal 2024, que se realizou entre os dias 24 e 26 de maio em Albergaria-a-Velha, encerrou as portas com um balanço extremamente positivo. O evento, que reuniu 152 expositores diretos e 33.000 participantes, registou um crescimento de 17% no número de expositores e um ligeiro aumento no número de visitantes em relação à edição anterior.

→ Leia a entrevista completa na Revista Voz do Campoedição de julho 2024.