O projeto LIFE SOS Pygargus, que vai unir agricultores, conservacionistas, cientistas e entidades governamentais para salvar o tartaranhão-caçador (Circus pygargus) da extinção em Portugal e na parte ocidental de Espanha, foi apresentado publicamente no dia 22 de novembro, num evento que decorreu no Miniauditório de Miranda do Douro, no distrito de Bragança.
Este projeto une esforços sem precedentes dos dois lados da fronteira para travar o atual declínio acentuado das populações desta ave de rapina que nidifica no solo em campos abertos e tem na produção de cereais adaptada ao seu ciclo reprodutivo uma tábua de salvação. O projeto tem um orçamento total de quase 11 milhões de euros, 75% dos quais (oito milhões de euros) financiados pelo Programa LIFE da União Europeia e será implementado no período 2024-2030.
Uma espécie migradora em risco de extinção
Esta espécie migradora, que tem um estatuto de ameaça “Em Perigo” de extinção em Portugal, passa a primavera e o verão na Península Ibéria, vinda de África, e enfrenta uma grande ameaça: a ceifa precoce de cereais e culturas forrageiras em pleno período de reprodução, que leva à destruição involuntária dos seus ninhos, ovos e crias, inviabilizando a sobrevivência de sucessivas gerações e colocando em causa a existência do tartaranhão-caçador no seu território histórico. Envolver os agricultores na sua proteção é, por isso, vital, e também benéfico para o setor, já que esta espécie elimina pragas para a agricultura, como insetos, roedores e aves de pequeno porte, prestando um importante serviço aos ecossistemas. Um casal de tartaranhão-caçador é capaz de ingerir, durante uma época reprodutora, mais de 1000 animais prejudiciais às culturas agrícolas.
Os principais objetivos do projeto
Os principais objetivos deste projeto são reduzir significativamente a mortalidade e a destruição de ninhos, com uma meta de redução de 75% na mortalidade e um aumento de 50% na população reprodutora, através de campanhas de salvamento e resgate; adaptar as práticas agrícolas ao ciclo reprodutivo do tartaranhão-caçador, promovendo o uso de variedades de cereais e forragens comercialmente vantajosas e que são mais compatíveis com as suas necessidades ecológicas, ao mesmo tempo que se incentiva o aumento da produção cerealífera no país para aumentar o habitat ideal para a espécie; e promover a consciencialização pública sobre a importância da conservação desta ave, bem como fomentar a cooperação entre Portugal e Espanha para a sua proteção na zona transfronteiriça.
José Pereira, presidente da organização não governamental de ambiente Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, entidade coordenadora do projeto, apresentou o LIFE SOS Pygargus em representação de todos os parceiros, num evento que contou com a participação de cerca de 70 pessoas e 22 entidades. Frisou a sua grande dimensão e impacto a nível transfronteiriço e nacional, com objetivos ambiciosos e multissetoriais, que visam unir duas dimensões que fazem parte de uma só: a conservação da natureza, em particular desta espécie em risco de desaparecer, e o setor agrícola, apoiando os agricultores e incentivando a produção cerealífera.
Sandra Sarmento, Diretora Regional da Conservação da Natureza e Florestas do Norte, felicitou a oportunidade e relevância deste projeto, resultado de mais uma parceria transfronteiriça e multissetorial coordenada pela Palombar, reconhecendo a importância da cooperação e do envolvimento de todos na sua implementação. “Este é um projeto da maior relevância para a conservação do tartaranhão-caçador, espécie em risco de extinção em Portugal e Espanha, que tem na ceifa precoce de cereais e culturas forrageiras a maior ameaça à sua reprodução. O mérito desta ação passa, assim, pela integração e envolvimento dos agricultores e das comunidades locais na implementação de boas práticas agrícolas e no uso de variedades de cereais e forragens adaptadas às necessidades ecológicas desta espécie, assegurando, em simultâneo, a vitalidade económica e a sustentabilidade deste setor”, disse.
Helena Barril, presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, sublinhou a grandiosidade deste projeto e a sua capacidade para salvaguardar o património natural único da região, e, ao mesmo tempo, sensibilizar as comunidades locais para a importância de conservar a espécie-alvo, em benefício dos agricultores e dos ecossistemas.
Já María Jesús Palacios González, Diretora de Programas de Conservação da Junta de Extremadura, em Espanha, referiu a importância da cooperação ibérica neste projeto de larga escala para salvar uma espécie que encontra em Portugal e Espanha o seu habitat ideal e histórico de reprodução.
João Paulo Silva, biólogo e investigador no BIOPOLIS/CIBIO-InBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, destacou, por sua vez, o papel-chave da componente científica neste projeto, que permitirá desenvolver estudos e obter dados valiosos para garantir a conservação e gestão mais eficaz das populações de tartaranhão-caçador na Península Ibérica.
Bernardo Albino, da ANPOC – Associação Nacional de Produtores de Cereais, reconheceu igualmente o potencial do projeto para incentivar e impulsionar a produção de cereais no país, em especial no Planalto Mirandês, aliando a conservação do tartaranhão-caçador à produtividade e rentabilidade agrícola.
Marta Barradas, em representação do Clube de Produtores Continente – MC (Grupo Sonae), enfatizou a importância deste projeto, que será capaz de promover a conservação de uma espécie ameaçada de extinção, enquanto incentiva a produção nacional de cereais para o fabrico de pão com valor acrescentado e diferenciado para as lojas Continente, e cuja venda contribui, também, para sensibilizar os consumidores para esta causa.
Projeto implementado em áreas da Rede Natura 2000 conta com 17 parceiros
O LIFE SOS Pygargus será implementado em 49 Zonas de Proteção Especial da Rede Natura 2000 e áreas adjacentes em Portugal e no oeste de Espanha que albergam a maior parte das populações portuguesas e transfronteiriças de tartaranhão-caçador. Estas áreas são essenciais para a sobrevivência e expansão da espécie e para assegurar a conectividade da rede.
O projeto, coordenado pela Palombar, conta com 17 parceiros, dos quais 13 são entidades portuguesas e quatro são espanholas: Associação BIOPOLIS-CIBIO, AEPGA – Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino, ANPOC – Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais, CCDR-N – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva SA, ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, LPN – Liga para a Protecção da Natureza, MC Shared Services SA, Modelo Continente Hipermercados SA, SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vita Nativa – Conservação do Ambiente, AMUS – Acción por el Mundo Salvaje, Consejeria de Agricultura, Ganaderia y Desarrollo Sostenible – Junta de Extremadura, GREFA – Grupo de Rehabilitación de la Fauna Autóctona y su Hábitat e Universidad de Murcia.Fotografias: Créditos Palombar