Face à crescente escassez de água e aos efeitos cada vez mais intensos das alterações climáticas, os países do Sul da Europa exigem uma resposta diferenciada por parte da União Europeia. A defesa de uma Política Agrícola Comum (PAC) mais ambiciosa, equilibrada e adaptada à realidade mediterrânica marcou a Conferência Internacional “Agricultura nos Países do Sul da Europa”, promovida pela CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal em parceria com a FENAREG – Federação Nacional de Regantes de Portugal, que teve lugar na Feira Nacional de Agricultura (FNA).
O FUTURO DA AGRICULTURA NOS PAÍSES DO SUL DA EUROPA
O evento contou com a presença de decisores políticos e líderes agrícolas de referência da Península Ibérica, França, Itália e Grécia, incluindo o Ministro da Agricultura e Pescas de Portugal, José Manuel Fernandes, o diretor-geral adjunto da Direção-Geral da Agricultura da Comissão Europeia, Pierre Bascou, e o presidente da FENAREG e da Irrigants d’Europe, José Núncio.
Na sua intervenção, José Núncio afirma que a resiliência hídrica deve ser uma prioridade estratégica da União Euro- peia, especialmente no setor agrícola. Defende ainda que essa prioridade precisa de financiamento próprio e políticas diferenciadas, ajustadas às realidades específicas das regiões mediterrânicas.
Apesar de Portugal ter conseguido reduzir em 52% o consumo de água na agricultura nas últimas duas décadas, fruto de investimentos em eficiência hídrica, o país continua a perder cerca de 80% das águas superficiais disponíveis, devido à fraca capacidade de armazenamento. Este fator compromete diretamente o regadio em mais de 633 mil hectares e a atividade de 28 mil agricultores.
José Núncio defende também que uma verdadeira resiliência hídrica europeia, exige uma aposta comum a nível europeu para assegurar a construção de novas barragens e alteamento das já existentes, a modernização de infraestruturas e de mais e novas interligações, da reutilização de água e combate às perdas, em todos os estados-membros.
Ainda neste contexto, o presidente da FENAREG e da Irrigants d’Europe, refere a Estratégia “A Água que Une”, o Plano Nacional da Água (2025-2035) e o Plano REGA, que estão totalmente alinhados com a Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica, que mobilizam um investimento previsto de 6,6 mil milhões de euros até 2035 no nosso país, com foco na eficiência, na sustentabilidade e na inovação e que serão absolutamente estruturantes para a modernização da agricultura portuguesa, para a soberania alimentar nacional e para a gestão equilibrada da água no futuro.
Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica precisa ser ampliada e ajustada às realidades do Sul da Europa e os orçamentos têm de acompanhar.
O mesmo responsável sublinha ainda que a atual proposta da UE para a Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica, apresentada há escassas semanas, que aponta para um aumento da eficiência hídrica em 10% até 2030 e prevê 15 mil milhões de euros até 2027 com 100% de cofinanciamento e 30% de pré-financiamento, para ser verdadeiramente eficaz precisa de ser ampliada e ajustada às realidades do sul europeu.
“A escassez de água exige metas ambiciosas e requer orçamentos igualmente ambiciosos”, afirma, defendendo ao mesmo tempo que armazenar água promove a biodiversidade, combate o abandono agrícola e assegura a coesão territorial, como tem sido evidente no caso de Alqueva.
O presidente da FENAREG conclui a sua intervenção apelando a uma visão holística europeia da PAC e da Resiliência Hídrica, baseadas em ações viáveis, metas concretas, financiamentos estruturados e a longo prazo e que tenham sistemas de monitorização e gestão de risco que respeitem a diversidade climática da Europa e assegurem a modernização dos sistemas de regadio em todo o continente.
Ministro da Agricultura reforça necessidade de uma PAC forte e solidária
Já o Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, defende uma PAC robusta, com orçamento próprio ajustado à inflação e diretamente ligada à resiliência hídrica para que esta possa continuar a ser o principal pilar da UE. O titular da pasta da agricultura, alerta para os impactos dos Planos de Recuperação e Resiliência nos futuros orçamentos europeus e apela à criação de recursos próprios da UE. “Sem PAC, não há segurança alimentar na Europa”, afirma o Ministro, sublinhando a necessidade de termos uma política comum que valorize os países do Sul e evite distorções no mercado.
Bruxelas reconhece especificidades do Sul e garante PAC mais simples e adaptada
Por conseguinte, Pierre Bascou, diretor-geral adjunto da Direção-Geral da Agricultura da Comissão Europeia, garante que a nova PAC será simplificada, mais acessível aos pequenos e médios agricultores e estará centrada na competitividade e na sustentabilidade. O responsável europeu, enfatizou a importância da resiliência hídrica para toda a Europa e anunciou o lançamento de futuros instrumentos financeiros que permitirão aos agricultores enfrentar mais adequadamente os eventos climáticos extremos e, ao mesmo tempo, promover a inovação e a digitalização no setor.
Sul da Europa unido por uma PAC justa
Álvaro Mendonça e Moura, apela à união política dos países do Sul da Europa para reforçar a sua influência na definição da PAC. Na sua intervenção, o presidente da CAP, sublinha igualmente que a coesão europeia depende de uma política agrícola comum que seja justa, inclusiva, representativa da diversidade climática e produtiva da UE e que esteja direta- mente ligada à Resiliência Hídrica.
O painel de debate dedicado à Agricultura e as Florestas nos Países do Sul da Europa, contou com a presença de Arnaud Rousseau – presidente da FNSEA (França), de Ettore Prandini – presidente da Coldiretti (Itália), de Vasilis Pyrgiotis – Head of GAIA EPICHEIREIN Brussels office (Grécia), de Luís Mira – secretário-geral da CAP, de Alessandra De Santis – Head of office CIA representative office to the EU (Itália), de Pedro Barato – presidente da ASAJA (Espanha) e de Massimiliano Giansanti – presidente Confragricoltura e Presidente del COPA (Itália), e a moderação de Duarte Mira, da CAP Bruxelas.
As várias intervenções reforçaram o papel da água como recurso estratégico, a necessidade de inovação e digitalização, a par da urgência de garantir financiamento adequado e políticas coerentes face às alterações climáticas, à pressão internacional e à escassez crescente de mão-de-obra que afeta o setor em todo o continente.
O painel “A caixa de ferramentas dos agricultores é suficiente para enfrentar as alterações climáticas?”, moderado por Duarte Mira da CAP Bruxelas, contou com a participação de Felisbela Torres Campos, Head of Regulatory & Business Sustainability for Portugal na Syngenta, de Manuel Melgarejo, Corteva Country Lead Iberia e Elli Tsiforou, Secretary-General of COPA-COGEGA.
Durante o debate, os especialistas do setor salientaram que os agricultores ainda não dispõem dos instrumentos necessários para responder aos desafios climáticos, apontaram os entraves regulatórios à inovação e defenderam medidas urgentes de apoio à capacitação, ao investimento em ciência e tecnologia, e à criação de uma task force europeia para a gestão da água.
Luís Mira refere a importância da união entre os países do sul da Europa: “Os países do Norte há muitos anos que têm posições conjuntas e isso é determinante numa Europa a 27”. Deixou uma mensagem clara aos governos: “Façam o mesmo que nós estamos a fazer aqui — que se juntem, que tomem no Conselho posições em conjunto”. Focando-se no uso da água na agricultura, reforça a dimensão do desafio: “Dos 59 mil hectómetros cúbicos utilizados pela agricultura europeia, 50 mil são consumidos por nós, os países mediterrânicos”. Luis Mira alerta ainda para a necessidade de uma resposta europeia coordenada: “A Europa tem que ter uma política para a gestão eficiente da água”.
Para Felisbela Torres Campos, o principal bloqueio à inovação está no sistema regulatório europeu: “Temos um marco regulatório muito exigente que funciona como barreira à inovação”. Na sua intervenção salienta que o problema afeta igualmente as soluções biológicas: “A regulamentação é igualmente exigente para os biopesticidas e substâncias sintéticas”. E frisa as consequências da demora: “A Europa ainda está a discutir as novas técnicas genómicas enquanto outros países, como o Reino Unido, já as aprovaram”. Propôs a modernização da avaliação de risco: “Se pudéssemos usar novas técnicas, muitas substâncias ativas não teriam sido eliminadas”.
Já Manuel Melgarejo realça o papel da inovação científica na agricultura: “Com alterações climáticas e novas doenças, temos de fazer mais com menos”. O responsável destaca o investimento contínuo da Corteva: “Investimos 1,5 mil milhões de euros por ano em investigação e desenvolvimento”. Neste contexto a Corteva de quatro plataformas digitais para os agricultores: “Através de uma aplicação gratuita, os agricultores recebem dados em tempo real sobre as suas culturas”. Sobre a genética vegetal, sublinha: “Nos últimos 10 anos, conseguimos um aumento de 30% na produtividade da soja”. Defendeu mudanças urgentes na política europeia: “Precisamos de decisões reais, não apenas discursos sobre inovação (…) Precisamos de ajudar os agricultores a produzirem melhor e mais (…). Portanto, com tecnologia, inovação e ciência, temos tentado educar os agricultores”.

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