A viticultura da Península Ibérica distingue-se pela grande riqueza de castas autóctones. Durante a Idade do Gelo, enquanto a Europa Central permanecia sob o permafrost, a videira selvagem sobreviveu no território ibérico — um legado genético que ainda hoje pode ser encontrado. Atualmente, Espanha reconhece 176 castas autóctones (mais de 235 utilizadas na vinificação), enquanto Portugal contabiliza 230 castas autóctones oficialmente e 343 castas autorizadas. Contudo, apenas 11 representam mais de 1% da produção nacional de vinho (IVV, 2023). Apesar disso, cerca de 80 castas continuam em uso regular e devidamente registadas.
As últimas décadas trouxeram profundas mudanças. A partir de 1974, e sobretudo com o fim da destilação oficial nos anos 1990, a viticultura portuguesa foi forçada a repensar os seus paradigmas. A introdução da rega, o impacto crescente do aquecimento global e as exigências de sustentabilidade passaram a ditar a escolha de castas.
O Surgimento das Castas PIWI na Europa
Na Europa Central, procurou-se ultrapassar as limitações das castas híbridas americanas através de retrocruzamentos sistemáticos com Vitis vinifera. O resultado foi o desenvolvimento das castas resistentes PIWI (do alemão Pilzwiderstandsfähig). Estas variedades, legalmente equiparadas a Vitis vinifera (Reg. UE no 1308/2013), conjugam resiliência sanitária com qualidade enológica, beneficiando de programas de melhoramento contínuos.
– Alemanha lidera o movimento, com mais de 50 castas autorizadas e cerca de 33% da produção anual de plantas já proveniente de PIWI.
– França (48 castas resistentes autorizadas) destaca-se pelo projeto RESDUR–INRA Colmar, uma referência mundial no melhoramento.
– Suíça (42 castas) e Áustria (>12 castas) possuem programas de investigação.
– Itália apresenta forte envolvimento privado (Vivai Rauscedo, Fondazione Mach, entre outros), com 36 castas reconhecidas, embora de alcance regional.
– Espanha destaque-se com o projeto La Volada do Abero e Noya (300.000 cruzamentos, 20 variedades promissoras, lançamento previsto até 2026) e uma rede nacional de pesquisa (Agromillora, INCAVI, ITACYL, INTIA, NEIKER, ICVV).
Nos países do Sul, a adesão é mais lenta, reflexo de menor pressão fitossanitária e de reduzido investimento em investigação, o que resulta num atraso de até 30 anos face ao centro europeu.
Portugal: Pioneirismo e resistências
Em Portugal, os trabalhos de melhoramento remontam aos anos 1970, com os primeiros cruzamentos interespecíficos conduzidos por Pereira Coutinho (ISA). O INIAV conserva esse material e desde 2018 desenvolve retrocruzamentos.
A PLANSEL tem desempenhado um papel pioneiro desde 1984, em estreita colaboração com a Universidade de Évora. Em três fases sucessivas de I&D, foram realizados mais de 100.000 cruzamentos, resultando já na inscrição da casta “Defensor” no Catálogo Nacional. Atualmente, decorrem ensaios com 80 genótipos de resistência múltipla e mais de 750 progenitores, da última geração de melhoramento multirresistente.
Apesar dos avanços, a adoção prática permanece bloqueada por resistências no Conselho Consultivo do IVV e por interesses instalados que favorecem o status quo. Tal postura pode gerar benefícios de curto prazo, mas enfraquece o setor a médio e longo prazo e predetermina subida de importação de vinho produzida com custos inferiores (…).
→ Leia este e outros artigos completos, na Revista Voz do Campo – edição de outubro 2025, disponível no formato impresso e digital.
Autoria: Jorge Böhm, Luisa Lindemann, David Tavares (PLANSEL) Carmo Vasconcelos (ATEVA), Rafaela Santos (UÉvora)


