À semelhança do que aconteceu aquando do seu lançamento, com o fim da medida “IVA Zero” no início deste ano, volta a pairar a ideia de responsabilizar os agricultores pelos aumentos dos preços no consumidor.

Comunicado CNA

A retórica, antiga, pretende sobretudo desviar as atenções das elevadas diferenças que persistem entre os preços pagos aos agricultores e aqueles que os consumidores pagam pelos mesmos produtos nas grandes cadeias de distribuição.

Dados disponibilizados no Observatório de Preços Agroalimentar, lançado pelo Governo em Setembro, permitem verificar que, em alguns produtos hortícolas, essa diferença aproxima-se dos 200% por meses consecutivos (por exemplo, na alface chegou a 300% em Agosto).

Embora dados INE indiquem uma recuperação de alguns preços na produção, depois de anos muito difíceis para os agricultores, registaram-se descidas nos preços de produtos essenciais como o arroz e o milho (que tiveram quebras de cerca de 200€ e 100€ por tonelada em relação ao ano passado) ou o leite (-0,11€ desde Março).

Aos consumidores, estes produtos chegam com uma diferença significativa em relação ao que é pago aos agricultores (+74% no leite em Novembro e +64% no arroz em Dezembro, segundo o Observatório de Preços). Situação atestada também pelo aumento de 9,7%1 do cabaz de Natal no consumidor, quando, em Dezembro, a inflação homóloga foi de 1,4%.

Algo está mal quando os produtores não conseguem recuperar a quebra de rendimentos, situandose abaixo de 2021, uma vez que os 8,7% de aumento estimados para 2023 não repõem os 11% perdidos em 2022; e o cabaz alimentar, que tem um enorme peso no orçamento das famílias, e particularmente das de menores rendimentos, é fonte de alimento dos lucros milionários que, ano após ano, os grandes grupos de distribuição, que dominam o mercado agro-alimentar, apresentam.

A resposta do Governo é nula, como se percebe pelo facto de, dos nove estudos de fileira previstos no âmbito do Observatório de Preços, apenas terem sido anunciados os resultados do estudo do leite, que, aliás, comprovam que se pagou aos agricultores abaixo dos seus custos de produção, tal como a CNA tinha denunciado. Mas no Observatório não estão disponíveis estes dados, que já são públicos há vários meses, faltam os restantes estudos e, sobretudo, faltam medidas para impedir a perversidade de se pagar a quem trabalha a terra abaixo daquilo que lhe custou produzir.

Neste quadro, e perante as injustiças na distribuição de valor, a CNA reclama a proibição, por via legislativa, do pagamento aos produtores abaixo dos seus custos de produção, bem como o aprofundamento do trabalho de fiscalização da cadeia agro-alimentar, apurando custos e proveitos dos intervenientes, para se clarificar quem está de facto a ganhar.

Esta deve ser uma situação prioritária a resolver pelo Governo que resultar das eleições legislativas de Março deste ano.