É verdade que por estes dias, em Portugal e em Bruxelas, um pouco por todo o lado, e nos media, até nos meios mais generalistas, se foi falando e escrevendo sobre as manifestações dos agricultores.

Alguns jornais de referência intitulavam o acontecimento de “A revolta do campo” e a Agricultura, a Alimentação e o Mundo Rural, ocuparam o centro da agenda política e mediática. Muitas personalidades que não se dedicavam a estes temas sobre eles refletiram. A agricultura tem de ser rentável, é duro trabalhar na terra, as políticas erráticas do Governo e da União Europeia são um facto, os apoios prometidos não chegam, os “intermediários” que ficam com as margens, o funcionamento da cadeia alimentar, a soberania, os recuos da Comissão Europeia ou as promessas por cumprir dos Ministros das Finanças e da Agricultura foram ideias que vimos veiculadas.

Pela primeira vez, desde há muitos anos, pareceu que, finalmente, o Setor ia ganhar o seu desígnio estratégico que muitos de nós vimos defendendo, não de hoje, mas desde muito antes da pandemia, do Green Deal e da Estratégia “Do Prado ao Prato”.

As pessoas, pelo menos aquelas com quem nos cruzámos, compreenderam as “mensagens da rua”, o protesto foi bem entendido – não apenas percecionado – pela opinião pública, de que não é justo a Europa exigir inúmeras restrições, ambientais, de higiene e segurança alimentar (food safety), bem-estar animal e sociais, sem cuidar de impor idênticas medidas, ou equivalentes, nas importações de produtos provenientes de países terceiros.

Não é difícil perceber que temos aqui uma clara distorção de concorrência, que nos vai empobrecendo a cada dia que passa. Essa distorção também ameaça a coesão, europeia e nacional.

É o tempo de dizer basta!

Tem de haver alguma inversão nesta política. Qual a sua amplitude? Ainda não sabemos.

Veremos o que vai sair do Conselho Agrícola de 26 e 27 de fevereiro, mas a decisão final, porque ela própria sujeita a escrutínio, vai muito para além dos Ministros da Agricultura.

Também, e sobretudo por tudo isto, foi muito estranho, quiçá inadmissível, que estes temas não tenham sido trazidos aos debates a que assistimos nas últimas semanas entre os líderes políticos e, na minha opinião, que não tenham sido debatidos, analisados ou sequer referidos, no tal “debate decisivo”, que colocou em confronto os dois candidatos a Primeiro-Ministro.

Muitos dir-nos-ão que não foram falados porque os jornalistas não questionaram os candidatos sobre eles. É igualmente inaceitável porque, de tão bem informados, tinham a obrigação de o ter feito. Não é menos verdade que os líderes do PS e do PSD tiveram oportunidade, nem que fosse ao explicar as medidas para a economia ou ao fazer o balanço da atuação do atual Governo, para falar da Agricultura, do Agroalimentar, do Mundo Rural, da soberania alimentar, ou seja, daquele que é “um Setor absolutamente estratégico para o País”. A avaliar, no mínimo, por alguns programas eleitorais.

Será mesmo assim? Onde está a coerência, a confiança, a verdade em falar a todos os portugueses? Ou, em função do concelho ou do distrito, assim se irá “acertando” o discurso?

De que têm servido os debates promovidos pelas diferentes Confederações e Associações com representantes dos diferentes partidos, em matéria de Agricultura, Agroalimentar, Alimentação e Mundo Rural, à luz das posições de “defesa intransigente”, do Setor, de um “novo ciclo” se, aparentemente, os seus líderes pouco ou nada se pronunciam sobre eles?

Não somos filhos de um “Deus menor”!

E já agora, sempre me interroguei porque é que os partidos não têm a coragem (?) ou a ousadia de avançarem com os nomes de potenciais Ministros para pastas, por exemplo, das Finanças, Economia, Defesa, Negócios Estrangeiros e, já agora, face à sua importância de desígnio nacional, da Agricultura, Alimentação, Florestas e Desenvolvimento Rural? Talvez prestassem um inestimável serviço à democracia.

Aqui deixamos o repto, sem esperar qualquer resposta.

Quantas vezes se falou do impacto das atuais guerras – Ucrânia e Médio-Oriente – no setor durante os debates com que nos brindaram as televisões? Quantas vezes a Agricultura e Alimentação, as Florestas e o Desenvolvimento Rural foram tema nas centenas de horas de comentários ou até no “pulsómetro” das redes sociais?

Serão os debates um circo ou um teatro para os jornalistas?

Foi, de facto, em nossa opinião, uma oportunidade perdida, que líderes partidários e atores do palco mediático ainda vão a tempo de corrigir na campanha que agora começa.

Entretanto, de Bruxelas, numa altura em que é certa a (re)candidatura da atual Presidente da Comissão, os tempos são de acalmia, de recuos, de aposta na simplificação de procedimentos no quadro da PAC, de alterações nos GAEC (práticas agrícolas) e nos ecoregimes, tornando-os mais simples e atrativos para os beneficiários, valorizando a assistência técnica (que não pode ser esquecida nos moldes em que a IACA tem defendido, pelo menos na eficiência alimentar) e clarificando que estes regimes não podem ser entendidos como uma ajuda ao rendimento.

Nestes dias, em que participámos nos workshops sobre o futuro da PAC pós-2027 (quando ainda há muito a fazer pela atual) ou em reuniões com o Ministro da Agricultura da Bélgica, Presidente em exercício do Conselho, abordámos todas estas preocupações, estando a presidência belga de acordo com a necessidade de um maior equilíbrio entre a produção de alimentos e o ambiente.

Em todo o caso, mesmo considerando esta estratégia de maior realismo – que, ainda assim, não é bem vista pelos ecologistas, animalistas e alguns académicos- nenhum decisor político nos respondeu à pergunta óbvia do momento: vão existir revisões na Estratégia “Do Prado ao Prato”? E, já agora, alterações no Green Deal?

As questões são relevantes, sobretudo se tivermos em conta que este “período de tréguas”, alcançado por algumas inflexões nas políticas ambientais agrícolas da UE, tem mais a ver com os fundados receios de que a crispação dos agricultores possa incendiar os ímpetos populistas e radicais, do que com um verdadeiro entendimento das necessidades dos agricultores europeus.

Caminhamos assim para um novo território, imprevisível e eventualmente errático.

No fundo, com tantas incertezas e interrogações, temos de fazer deste tempo, o nosso tempo. Não o podemos desperdiçar.

Sim, o tempo é agora!

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA