A citricultura representa cerca de 18% da produção mundial de frutas, com a laranja a ocupar posição de destaque pelo seu valor nutricional. A produção global de laranjas atingiu cerca de 76 milhões de toneladas em 2023, segundo dados da FAO. Na União Europeia, os principais produtores continuam a ser Espanha, Itália, Grécia e Portugal, representando um total aproximado de 5,9 milhões de toneladas [1].

Quando o desperdício ganha valor: Uma nova vida para a casca de laranja Em 2023, Portugal produziu cerca de 330 mil toneladas de laranja. No entanto, uma parcela significativa da produção nacional é destinada à transformação em sumo, gerando inevitavelmente uma grande quantidade de resíduos — principalmente casca, polpa e sementes. Estes resíduos podem causar impactos ambientais como emissões de gases com efeito de estufa e contaminação do solo e águas subterrâneas [2]. Dado o seu elevado teor em compostos bioativos — como polifenóis, fibras dietéticas e óleos essenciais como o D-limoneno — a casca de laranja surge como uma matéria-prima valiosa para a inovação em produtos alimentares e nutracêuticos. A incorporação destes resíduos em novos alimentos, como queijos probióticos ou produtos fermentados, exemplifica o potencial transformador de práticas de upcycling alimentar, promovendo simultaneamente a sustentabilidade ambiental, a saúde do consumidor [3,4].

O objetivo deste trabalho foi desenvolver um queijo kefir funcional enriquecido com casca de laranja natural e fermentada, promovendo a valorização de resíduos agroindustriais e a inovação na sustentabilidade alimentar (Figura 1).

Materiais e Métodos

1. Preparação da casca de laranja
A casca de laranja foi recolhida junto de produtores locais de sumo, higienizada e sujeita a dois tipos de tratamento:

– Desidratação controlada a baixa temperatura (<40°C), para preservar compostos voláteis e fenólicos;
– Fermentação a temperaturas entre os 30-32oC, em salmoura (1,5% NaCl) para reduzir o amargor e potenciar a libertação de antioxidantes.

2. Desenvolvimento do queijo fermentado à base de kefir
Os queijos fermentados foram preparados a partir de leite de kefir e a partir de iogurte kefir (CL e CI, respetivamente). As duas versões da casca, normal e fermentada, foram adicionadas ao leite kefir já fermentado, à temperatura ambiente, com dois níveis de incorporação: 1% e 5% (m/v). Após coagulação, drenagem e prensagem suave, obtiveram-se queijos tipo kefir com casca de laranja, de textura pastosa, sabor cítrico subtil e aparência cremosa.

3. Avaliação nutricional e de parâmetros físico-químicos caraterísticos de produtos lácteos
Os queijos foram avaliados nutricionalmente em termos de teor em cinzas, teor de gordura, proteína e fibra, segundo os métodos AOAC e ISSO [5-8].

4. Avaliação do potencial antioxidante e do teor de fenólicos totais
A extração das amostras de kefir foi realizada com base numa adaptação do procedimento utilizado por Ozcan et al. (2019) [9]. Para a determinação de TPC, seguiu-se o método de Folin-Ciocalteu com ligeiras adaptações [10] e os resultados foram expressos em miligramas de equivalente de ácido gálico (GAE) por kg de amostra de kefir. Os ensaios de AAT das amostras de kefir fortificadas com casca de laranja foram realizados utilizando o método FRAP e o método DPPH, com ligeiras modificações [10]. Os resultados da AAT foram expressos em μM equivalentes de Trolox por grama de amostra de kefir.

Resultados e Discussão

Os resultados da análise nutricional e dos parâmetros físico-químicos avaliados, encontram-se apresentados na Tabela 1.

Tabela 1. Resultados da análise nutricional e parâmetros físico-químicos medidos nos diferentes queijos desenvolvidos. Letras diferentes significam que há diferenças significativas a nível de análise estatística ANOVA (p<0.05).

Os queijos kefir elaborados com adição de casca de laranja, sobretudo nas concentrações de 5%, apresentaram ligeira redução da humidade, possivelmente devido à capacidade higroscópica da fibra presente na casca, que contribui para maior retenção de água na matriz, mas também para uma textura mais firme.

A incorporação de casca não interferiu significativamente nos teores de proteína e gordura, uma vez que a sua proporção na formulação é relativamente baixa. No entanto, observou-se um ligeiro aumento no teor de cinzas, especialmente nas amostras com casca fermentada, refletindo a contribuição mineral da casca e o potencial enriquecimento via fermentação (libertação de minerais ligados a estruturas celulares).

Foi observado um aumento claro do teor de fibra alimentar, proporcional à quantidade de casca adicionada. Este é um dos pontos nutricionalmente mais relevantes, dado que a casca de laranja é rica em fibras solúveis e insolúveis, como pectina, celulose e hemicelulose, que promovem efeitos benéficos para a saúde intestinal, como a regulação do trânsito intestinal e o suporte ao microbioma (…).

→ Leia este e outros artigos completos, na Revista Voz do Campo  edição de agosto/setembro 2025, disponível no formato impresso e digital.

Autoria, Referências Bibliográficas

Autoria: Sara Gusmão¹ e Joana Ferreira¹,²

¹ Santarém Polytechnic University, School of Agriculture, Quinta do Galinheiro – S. Pedro, 2001-904 Santarém, Portugal
² LEAF – Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food Research Center, Associate Laboratory TERRA, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa, Portugal.

Referências:

https://qr.me-qr.com/text/MmueTf38


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