Introdução:

Durante o último ano, a fileira dos fertilizantes enfrentou desafios que impactaram a atividade dos nossos associados e o mercado de produtos fertilizantes em Portugal e na Europa. Com a crescente importância de questões estratégicas como a sustentabilidade agrícola e industrial na Europa, a fileira depara-se com novas condicionantes regulamentares, às quais a ANPIFERT1 tem respondido de forma integrada enquanto associação. Comprometemo-nos continuamente a promover o esclarecimento conjunto dos nossos associados e a colaborar com as principais entidades administrativas nessas questões. Além das principais questões regulamentares, as flutuações nos preços das principais matérias-primas e os novos desafios macroeconómicos e geopolíticos aumentaram a necessidade de incorporar inovações tecnológicas, diversificar soluções e implementar transformações nos processos de fabrico e comercialização de fertilizantes. Este artigo tem como objetivo rever algumas destas questões, destacando a resposta eficiente da indústria e identificando oportunidades emergentes para o novo ano que se avizinha.

1. https://anpifert.pt

Alimentar uma População Crescente

Reconhecer a importância da fertilização na segurança alimentar é fundamental. É necessário considerar o papel central que os fertilizantes desempenham no sistema alimentar actual, marcado por populações urbanas crescentes e mercados cada vez mais exigentes quanto à disponibilidade e qualidade de alimentos. O aumento notável da disponibilidade alimentar mundial tem sido um dos principais fatores responsáveis pelo período generalizado de paz e progresso vivido no Ocidente e em grande parte do mundo durante as últimas décadas. Não devemos ignorar a famosa frase do Prémio Nobel da Paz, Dr. Norman Borlaug2, sobre a importância da segurança alimentar na construção da paz – “não é possível construir a paz com estômagos vazios”. Esta verdade ganha ainda maior relevância num contexto de novos conflitos armados, como a Guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, que têm contribuído para um agravamento de diversas questões sociais e económicas. Entre elas, destacam-se o acesso limitado a matérias-primas, desafios nos mercados de energia e um considerável aumento generalizado da inflação que condicionam fortemente os custos de produção e distribuição.

A sustentação da segurança alimentar e a melhoria do acesso a alimentos no mundo têm sido pilares do desenvolvimento das nossas sociedades, em grande parte graças aos esforços diários da fileira dos fertilizantes.

No que respeita à relação entre a produção de alimentos e a nutrição vegetal, esta questão ganha ainda maior relevância em Portugal. Temos testemunhado no nosso país uma diminuição do consumo de fertilizantes, a ocorrer a um ritmo superior ao observado na Europa e ao que está previsto para a próxima década pelo Pacto Ecológico Europeu e pela estratégia Farm to Fork3. O ano 2023 tem revelado uma ligeira recuperação do mercado, mas ainda assim, é insuficiente, dadas as enormes reduções no consumo que se experimentaram entre 2020 e 2022. Durante esse período, registou-se uma redução substancial do uso de fertilizantes em diversas regiões do país. É imperativo abordar esta questão em Portugal para garantir a sustentabilidade e a produtividade do setor agrícola nacional, que desempenha um papel fundamental na segurança alimentar dos portugueses e no equilíbrio das balanças comerciais do país.

2. https://anpifert.pt

3. https://www.agroges.pt/wp-content/uploads/2022/09/202209-Agroges-ArtigoTecnico-01.pdf


A nível global, estima-se que mais de 50% da população mundial dependa diretamente de fertilizantes para sua alimentação. A nutrição equilibrada das plantas contribui para uma nutrição humana equilibrada. Nesse sentido, o uso insuficiente de nutrientes pode comprometer o rendimento adequado das culturas e a qualidade nutritiva dos alimentos produzidos. É, portanto, necessário promover uma nutrição equilibrada e completa das culturas a fim de garantir a disponibilidade de alimentos e a qualidade nutricional para todos.

Durante os últimos dois anos, o setor dos fertilizantes em Portugal tem enfrentado consideráveis desafios decorrentes das flutuações na disponibilidade e preços das matérias-primas. Com preços elevados, impulsionados pelos custos da energia e de outras matérias-primas, temos assistido a uma redução significativa na procura e no consumo de fertilizantes em Portugal. De acordo com dados analisados pela ANPIFERT, e contrastados com números europeus, em colaboração com a Fertilizers Europe, Portugal destacou-se como o país da EU-27 com a maior redução relativa no consumo de fertilizantes nos últimos 10 anos. Esta tendência abrange os três principais macronutrientes – azoto (N), fósforo (P) e potássio (K) – diferenciando-se de outros estados-membros, com níveis de redução comparáveis, mas onde a redução incidiu predominantemente nos adubos fosfatados.

Esta situação preocupa a ANPIFERT, pois prevemos implicações negativas na competitividade da agricultura portuguesa, exacerbando o desequilíbrio comercial existente no setor agroalimentar do país. Como resposta a esta questão, recentemente, a ANPIFERT teve a oportunidade de participar no Fórum ‘Plant Nutrition’ realizado no Parlamento Europeu em Bruxelas, em outubro de 2023, onde expressou as preocupações específicas da indústria portuguesa. Enquanto reconhecemos a justificação das propostas de redução do uso de fertilizantes em vários estados-membros, argumentamos que tais propostas não são adequadas à realidade portuguesa.

Nos últimos 10 anos, verificou-se em Portugal uma redução anual significativa na aplicação de fertilizantes, o que indica um cumprimento total por parte do nosso país com as supostas metas do Pacto Ecológico Europeu antes da sua implementação4. Promover e incentivar de forma generalizada a redução no uso de fertilizantes em Portugal certamente terá consequências indesejáveis para a cadeia produtiva e para a economia nacional. A nível nacional, prevêem-se perdas de produtividade primária de -21%. Se se mantiver esta tendência em Portugal, estima-se impactos muito significativos na rentabilidade das explorações agrícolas:

Reduções totais de receita das explorações agrícolas portuguesas de 256 M€/ano;

Perdas de receita total de 364 M€/ano.

4. https://www.agroges.pt/wp-content/uploads/2021/09/202109-AGROGES-ArtigoTecnico-01.pdf

Diante destes desafios, as empresas associadas da ANPIFERT têm demonstrado uma forte resiliência, adotando estratégias inovadoras para lidar com a volatilidade de preços a montante e a disponibilidade de produtos nos mercados internacionais, através da diversificação das fontes de matérias-primas e a implementação de modelos analíticos. Um exemplo relevante é o trabalho continuado de análise de mercados que a ANPIFERT realiza mensalmente com o apoio da AGRO. GES desde 2009. Mais recentemente, o desenvolvimento e uso de ferramentas analíticas avançadas a nível europeu também têm sido promovidas no âmbito do grupo temático “Comission Expert Group on Fertilising Products” que a ANPIFERT integra desde 2021. Um exemplo de interesse é o produto Access2Markets5, uma inovadora ferramenta que consiste numa plataforma intuitiva e informativa. Esta plataforma oferece uma consulta interativa de dados com visualização de dashboards a nível macroeconómico, facilitando o acesso a diversas informações sobre as atividades comerciais dentro da União Europeia e entre os estados-membros da UE e mercados terceiros não europeus.

5. https://trade.ec.europa.eu/access-to-markets/en/home

Sustentabilidade Ambiental

O crescente interesse por práticas sustentáveis, que incorporem soluções integradas com o ambiente, tem levado a fileira dos fertilizantes a um constante exercício de melhoria. A indústria tem respondido a este desafio com o desenvolvimento de fertilizantes de última geração, projetados para minimizar o impacto ambiental e promover a eficiência na absorção de nutrientes pelas plantas. Este esforço reflete não apenas uma adaptação da indústria europeia às regulamentações ambientais em evolução, mas também um sólido compromisso por parte das empresas nacionais com a preservação de recursos naturais. A indústria dos fertilizantes tem alcançado ganhos notáveis de eficiência energética e redução de emissões. Nos últimos 100 anos, verificou-se uma redução em mais de 85% do consumo de energia por unidade de fertilizante produzida6.6. https://anpifert.pt/Estudos/202109-AGROGES-ArtigoTecnico-01%20-%20A%20IMPORT%C3%82NCIA%20DOS%20FERTILIZANTES.pdf

7. Kirchmann, H. (2021). Revisiting the original reasons for excluding inorganic fertilizers in organic farming—Why the ban is not consistent with our current scientific understanding. Outlook on Agriculture, 00307270211020025.

Nesse sentido, a indústria intensificou os seus esforços ao longo dos últimos anos em diversas linhas de desenvolvimento relevantes, das quais destacaríamos as seguintes:

Plano de Acção para a Gestão Integrada de Nutrientes – (The Soil Health Law and Integrated Nutrient Management Action Plan8);

Plano europeu para Descarbonizar a Produção de Fertilizantes e Roteiro para uma Alimentação Sustentável9,10;

Carbon Footprinting in Fertilizer Production11;

A visão da Indústria Europeia de Fertilizantes Feeding Life 203012;

Orçamento por parte da indústria europeia dos fertilizantes que ascende aos 66 M€ em soluções de investigação e desenvolvimento13.

Nova Legislação

Uma das principais linhas de ação da ANPIFERT tem sido o acompanhamento constante da legislação nacional e a promoção de um trabalho integrado entre os seus associados, em conjunto com os principais legisladores e entidades de administração pública. Neste contexto, destacamos os seguintes Regulamentos europeus e legislação nacional que temos acompanhado enquanto ANPIFERT:

Decreto-Lei n.º 30/2022 e Regulamento (UE) 2019/1009 – normas relativas à colocação no mercado de produtos fertilizantes na União Europeia.

COM(2023) 2023/0049 (COD) – Recente proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) 2019/1009 no que diz respeito à rotulagem digital dos produtos fertilizantes EU.

Portaria n.º 185/2022 – Diário da República n.º 140/2022, Série I de 2022-07-21 – Aprova os tipos de matérias fertilizantes não harmonizadas, define o tipo de matérias-primas que podem ser utilizadas na sua produção e estabelece os respetivos requisitos de colocação no mercado.

Decreto-Lei n.º 62/2021 e Regulamento Europeu (UE) 2019/1148 – novas regras e os procedimentos relacionados com a comercialização dos precursores de explosivos em Portugal.

Proposta de Lei n.º 58/XV/1 – que revê o regime jurídico dos produtos explosivos e substâncias perigosas em Portugal.

Decreto-Lei n.o 152-D/2017 – legislação em vigor sobre questões relacionadas com a gestão de resíduos e embalagens.

8. https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12899-Nutrients-action-plan-for-better-management_en | 9. https://www.fertilizerseurope.com/wp-content/uploads/2023/11/DEF_2023_Decarbonisation_Roadmap_digital-1.pdf | 10. https://www.fertilizerseurope.com/wp-content/uploads/2023/11/Ammonia-Roadmap-Fertilizer-Europe-FINAL-Sept-22-2023.pdf 11. https://www.fertilizerseurope.com/initiatives/carbon-footprint-calculator/ 12. https://www.fertilizerseurope.com/initiatives/feeding-life-2030/ 13. “BY THE NUMBERS – The Fertilizer Industry in Europe” (https://www.fertilizerseurope.com/)

Existem outras iniciativas que merecem destaque e sobre as quais a ANPIFERT tem procurado informar os seus associados; os principais exemplos são:

Plano de Ação para a Economia Circular (PAEC)14.

Roteiro para a Neutralidade Carbónica15.

Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-203016.

Pacto Ecológico Europeu e estratégia Farm to Fork17.

Em síntese, o panorama actual da fileira dos fertilizantes em Portugal reflete uma série de desafios significativos, desde as complexidades regulamentares até às oscilações nos preços das matérias-primas e às dinâmicas macroeconómicas e geopolíticas que afectam os mercados de energia. A necessidade de equilibrar a sustentabilidade ambiental com a segurança alimentar é evidente, com a fileira a enfrentar desafios tanto a nível nacional como internacional.

A redução do consumo de fertilizantes em Portugal destaca a urgência de abordar proativamente essa questão para assegurar a sustentabilidade e a produtividade do setor agrícola nacional.

Embora 2023 tenha permitido uma ligeira recuperação do mercado, esse aumento é insuficiente para compensar as substanciais diminuições ocorridas nos anos anteriores. O possível impacto negativo da promoção generalizada da redução no uso de fertilizantes em Portugal é evidenciado, apontando para possíveis perdas significativas de produtividade e rentabilidade no setor agrícola português. Encontrar um equilíbrio entre práticas agrícolas sustentáveis, inovações tecnológicas e os desafios económicos emergentes torna-se crucial para enfrentar os obstáculos futuros e fortalecer a resiliência da indústria de fertilizantes em Portugal.

Num compromisso sólido com a sustentabilidade e o abastecimento alimentar, a ANPIFERT e os seus associados reiteram a missão de fornecer soluções inovadoras e competitivas. Os associados da ANPIFERT continuarão a trabalhar para garantir o fornecimento de produtos fertilizantes, assegurando não apenas a quantidade, mas também a qualidade da produção agrícola nacional. Face aos desafios existentes, os associados da ANPIFERT mantêm-se comprometidos em oferecer produtos e assistência técnica aos agricultores portugueses, transmitindo uma mensagem de esperança para o setor.

14. https://www.dgae.gov.pt/gestao-de-ficheiros-externos-dgae-ano-2022/paec-relatoriofinal_edi_21_3_2022_v2.aspx 15. https://apambiente.pt/clima/roteiro-para-neutralidade-carbonica-2050 16. https://files.diariodarepublica.pt/1s/2020/10/19900/0003800059.pdf 17. https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt

Artigo elaborado pela ANPIFERT com o apoio da AGRO.GES.