A meio da semana estivemos em Vila Real num evento de uma empresa associada da IACA, dirigida a cunicultores. Debatemos o tema das gaiolas, a saúde e bem-estar animal, a nova legislação sobre os medicamentos veterinários, a relevância da água e do maneio, higiene e, claro a alimentação animal.

Neste âmbito, falámos sobre a disponibilidade e qualidade dos alimentos, que se querem seguros. Confiar na alimentação, saúde e bem-estar animal para dar confiança (e segurança) aos consumidores. Quando se pensou nesta temática, de um encontro com produtores de coelhos, um setor difícil e exigente, mas em que encontramos jovens e muitas mulheres, esperança no futuro, o objetivo era refletir sobre o fim das gaiolas, se seria ou não tempo para se fazerem remodelações, investimentos, prevenir, antecipar.

A reflexão é oportuna, pois continuamos a viver neste dossiê, tal como noutros, uma enorme incerteza. O fim das gaiolas é para já, 2027? Como estamos na União Europeia, o que esperar no curto prazo?

Vale a pena recordar como chegámos até aqui, ao debate sobre o “Fim da Era das gaiolas” ou a Iniciativa de Cidadania Europeia “End the Cage Age” que partiu da imagem do “pesadelo da criação pecuária”, do reforço do bem-estar animal, “o direito à liberdade”, a uma “vida melhor” e que “todos juntos podemos fazer a diferença”.

Promovida por um conjunto de cidadãos, cientistas incluídos, a iniciativa foi lançada e registada em setembro de 2018, apresentada à Comissão Europeia em outubro de 2020, debatida no Parlamento Europeu em abril de 2021 e acolhida pela Comissão em junho desse mesmo ano, não só porque o tema era politicamente sensível, mas, sobretudo, porque recolheu a assinatura de 1 397 113 cidadãos, validados com limiares atingidos em 18 Estados-membros.

Lembram-se da “nossa” Iniciativa sobre o Mundo Rural, de que aqui falámos? Nem passou do papel…

Com a nova Comissão Von der Leyen e uma agenda claramente mais ambientalista, de combate às alterações climáticas, de reforço dos cuidados com a saúde e bem-estar animal, de atenção ao Pacto Ecológico Europeu e a toda a panóplia legislativa liderada pelo, então, Comissário Frans Timmermans, a estratégia para implementar o fim das gaiolas foi inserida no programa da Comissão, tendo como meta o ano de 2027, o que passaria por compensações e apoios aos produtores pecuários. Convém recordar que a proposta da Comissão iria incidir sobre animais já abrangidos pela legislação (galinhas poedeiras, porcos e vitelos) mas, também, sobre todos os outros.

Foi assim solicitada a intervenção da EFSA para uma abordagem científica na avaliação da medida, à luz do comportamento animal, sendo igualmente necessária uma avaliação de impacto económico e social da medida, devido à importância que estes setores têm, não só no consumo interno, mas, igualmente, nas exportações para o mercado mundial, desde logo os setores da carne de aves e de porco.

Para os que defendem o fim das gaiolas, nada disto interessa: a lógica é reduzir o número de animais, o consumo de carnes na União Europeia que é uma (boa) estratégia de redução das emissões. Não querem saber das exportações e (aqui estão connosco) as importações têm de seguir a mesma lógica da produção. A perda de empregos, uma eventual dependência da Europa relativamente a países terceiros no abastecimento destes produtos? A diminuição do consumo, os apoios aos produtores, um período de transição e o combate ao desperdício alimentar parecem ser a solução. Aparentemente, ignoram o que já foi feito, as regras de saúde e bem-estar animal sem paralelo, nos países da União Europeia, a disponibilidade para fazer mais e melhor, a segurança alimentar e a produção de alimentos. Também se esquecem os empregos gerados. E esta “clivagem” de perspetivas vai, naturalmente, continuar. São duas visões de uma realidade, não raras vezes, duas ideologias que tem sido difícil equilibrar. Sabemos hoje quais são os desafios societais, o que esperam de nós os consumidores, o mercado, não precisamos de fundamentalistas, nem de um lado nem do outro.

Entretanto, o que aconteceu? A EFSA publicou alguns estudos que desvirtuam a realidade das explorações pecuárias, o comportamento dos animais – e tivemos muitos portugueses em Bruxelas, sobretudo na área dos suínos e aves a contribuir para repor alguma “veracidade”, com conhecimentos científicos – enquanto algumas organizações europeias fizeram os seus estudos de impacto. No essencial, como se esperava, a produção pecuária teria reduções drásticas, os preços tenderiam a aumentar significativamente (e com isso a inflação), a Europa seria importador líquido de carne de frango e suíno, a perda de competitividade seria uma evidência e teríamos de importar de países terceiros, que não seguem, nem estão dispostos a seguir, essas normas. Mas, sim, a Europa dava o exemplo, iria exigir as mesmas regras de produção aos produtos importados e os agricultores seriam fortemente apoiados financeiramente, como compensação. Alguém acredita?

Entretanto, dois anos de guerra, com o tema da segurança alimentar claramente na ordem do dia, discussões no Parlamento Europeu, nos diferentes Comités, os tais estudos de impacto…e… a proposta não viu a luz do dia. Diz-se que com a saída do Comissário Timmermans estas propostas “arrefeceram”. Eu lembro que foi o Colégio de Comissários que abriu o caminho e não contestou o seu trabalho, deu-lhe espaço, com a DG SANTE e DG ENVI ou DG CLIMA a ganharem tração e peso político face à DG AGRI.

A culpa é apenas daquele senhor? Como é comum dizer-se, “vamos até onde nos deixam ir”!

Em princípio, tanto quanto sabemos, a proposta sobre o bem-estar animal durante o transporte e a rastreabilidade de cães e gatos segue o seu caminho para o debate no Parlamento Europeu e no Conselho. As gaiolas é um tema que não consta do programa da Comissão Europeia para 2024. Com eleições para o Parlamento Europeu em junho e um novo executivo em Bruxelas, talvez em 2025 tenhamos novidades, em função dos novos (?) alinhamentos. Seguramente que a data de 2027 não vai ser cumprida e que este, tal como outros dossiês, tenderão a ser melhor analisados e escrutinados, o que também nos dá tempo de introduzir novos elementos, dados concretos, de base científica, mostrar à opinião pública que estamos preocupados com a saúde e bem-estar animal, somos os primeiros a querer animais saudáveis, porque deles dependemos.

No entanto, existe aqui uma questão central, de fundo, por resolver: a nossa carência e déficit de representatividade política, no Parlamento, nacional e europeu. Faltam-nos “deputados agrícolas”, candidatos que percebam a nossa realidade, os problemas concretos, que falem da agricultura e da pecuária, da indústria agroalimentar, do mundo rural, da importância, estratégica, para a Sociedade.

Não tem de haver um “eles” e “nós”, fazemos parte de um todo, de um Planeta que se quer melhor e mais habitável. Sem demagogias e fundamentalismos. Respeitando as diferenças, ouvindo quem nos desafia. Para afirmarmos a Europa na geopolítica mundial.

No caso concreto de Portugal, para não nos conduzir a um crónico empobrecimento e dependência alimentar. É também isto que está em jogo nas eleições, legislativas e europeias.

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA